Redação do Site Inovação Tecnológica - 15/10/2024
Transições verde e digital
A Europa tem estado à frente de vários esforços de desenvolvimento sustentável e neutralidade climática, incluindo o estabelecimento de prazos para o atingimento dos objetivos de cada esforço.
Entre essas iniciativas, englobadas no Acordo Verde Europeu, destacam-se a busca por duas transições: A transição verde, envolvendo todos os esforços rumo a uma economia e uma sociedade mais verdes, e a transição digital, que envolve a disseminação ainda maior de todas as tecnologias digitais.
Contudo, embora as autoridades europeias chamem esses dois esforços de "transições gêmeas", pesquisadores alertam que as duas transições podem nem mesmo ser compatíveis entre si, com o risco de que juntar essas duas transformações possa levar os desafios ambientais a ficarem em segundo plano em relação à inovação digital.
A equipe sugere que a União Europeia (UE) está usando esta transição dupla para obter "uma vantagem competitiva no mercado digital, de modo que a governança ambiental seja colocada a serviço de um aspecto muito restrito da sustentabilidade: A sustentabilidade do novo setor digital," afirma a professora Zora Kovacic, da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha.
A pesquisa, que se baseia em uma análise aprofundada de documentos de alto nível das políticas da UE, mostra como agrupar as transições verde e digital "transforma problemas ambientais em oportunidades de negócios a serem exploradas por tecnologias digitais (como IA, megadados e cadeia de blocos), criando assim novos mercados," ao mesmo tempo em que coloca a governança ambiental a serviço do setor digital, afastando-a "das questões ambientais e em direção à promoção da sustentabilidade do novo setor digital," escreveram os autores.
Lógicas contraditórias
Os pesquisadores afirmam que este é um caso claro de "procurar onde é mais fácil encontrar", ou seja, focar nos problemas que podem ser resolvidos, em vez de naqueles que exigem soluções mais urgentes.
"Desafios ambientais importantes, como a perda de biodiversidade, degradação do solo, mudanças nos ciclos geoquímicos e esgotamento e poluição da água, para citar apenas alguns, estão sendo negligenciados como resultado da dupla transição porque não são desafios digitais. Problemas que podem ser resolvidos com tecnologias digitais, por outro lado, estão sendo priorizados," disse Kovacic.
Diante disso, os pesquisadores consideram que promessas de soluções que sejam ao mesmo tempo verdes e digitais são uma "coalizão improvável", baseando-se em lógicas diferentes. "A transição verde é movida por uma lógica de limites sob os quais certas coisas 'não podem ser feitas'. Por exemplo, não podemos poluir a ponto de alterar ecossistemas. A transição digital, por outro lado, é movida por uma lógica de possibilidades ilimitadas, na qual qualquer problema pode ser resolvido desde que haja engenhosidade humana suficiente. Essas duas lógicas - 'isso não pode ser feito' e 'isso pode ser feito' - dificilmente funcionarão juntas e podem até ser contraditórias," disse Kovacic.
Curiosamente, alguns documentos da própria Comissão Europeia reconhecem que as transições digital e verde "podem reforçar-se mutuamente, mas também podem entrar em conflito".
De acordo com a equipe, a transição dupla é, portanto, um recurso discursivo usado pela Comissão Europeia para criar sinergias e consenso em torno de questões políticas que são difíceis de governar e muitas vezes controversas. "Como resultado, a política não é mais construída como baseada em evidências, mas como base no desejo de fornecer soluções," concluiu Kovacic.