Kate Becker - FQXi - 09/05/2011
A realidade do tempo
Muitos físicos argumentam que o tempo é uma ilusão. Lee Smolin prefere discordar.
E se o tempo for mesmo algo real?
Se você não é um físico teórico, a pergunta colocada por Smolin pode soar como uma grande bobagem, como se alguém lhe perguntasse: "E se os seus sapatos e meias fossem reais?"
Afinal, você os usa todos os dias, assim, como não poderiam ser reais?
Dentro do mundo da física fundamental, porém, a noção de que o tempo possa ser real é praticamente radical.
A sensação do tempo
Sim, como seres humanos, vivenciamos o tempo como uma coisa que flui; nós marcamos uma linha divisória entre o passado imutável e o futuro ainda a ser escrito; e nós acreditamos que vivemos em um momento especial que chamamos de presente, que está sendo constantemente atualizado.
Ainda de acordo com a sabedoria convencional - ou, pelo menos, de acordo com aquele tipo peculiar de sabedoria pouco convencional que governa a física quântica e a cosmologia - o tempo é uma ilusão que emerge de uma física mais profunda.
Nesse ponto de vista, o tempo é uma representação ficcional para o comportamento em larga escala de algo mais fundamental.
"É comum na filosofia e na ciência presumir que as coisas que são mais profundas e mais verdadeiras sobre o mundo estão fora do tempo," resume Smolin, físico teórico do Instituto Perimeter em, Ontário, no Canadá. "A questão fundamental é, o tempo é real ou é uma ilusão? Nós experimentamos a vida como uma sequência de momentos, mas é assim que o mundo realmente é?"
"Não há dúvida de que o tempo existe, nós o usamos todos os dias," acrescenta Sean Carroll, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia. "Mas não temos certeza se o tempo é realmente fundamental, se é uma parte necessária de uma compreensão profunda da física, ou se é apenas uma aproximação útil."
A realidade do tempo
Smolin prefere continuar defendendo a realidade do tempo.
Mas, para isso, ele deve superar um grande obstáculo: as teorias da relatividade especial e geral parecem implicar o oposto.
Na visão clássica de Newton, a física funciona obedecendo ao tique-taque de um relógio universal invisível.
Mas Einstein descartou esse relógio-mestre quando, em sua teoria da relatividade especial, ele argumentou que não há dois eventos verdadeiramente simultâneos a menos que entre eles haja uma relação de causalidade.
Se a simultaneidade - a noção do "agora" - é relativa, o relógio universal deve ser uma ficção, e o próprio tempo é uma aproximação para o movimento e a mudança dos objetos no universo. O tempo está literalmente descartado da equação.
Embora tenha passado grande parte de sua carreira explorando as facetas de um Universo atemporal, Smolin se convenceu de que isto está "profundamente errado", diz ele. Ele agora acredita que o tempo é mais do que apenas uma aproximação útil, que ele é tão real quanto a fome que sentimos nos diz que é, mais real, na verdade, do que o próprio espaço.
Física quântica e relatividade geral
A noção de um "tempo real e global" é a hipótese de partida para os novos trabalhos de Smolin, que ele vai realizar este ano com a ajuda de dois estudantes de pós-graduação, financiado pelo Instituto FQXi, uma entidade sem fins lucrativos cuja proposta é discutir as questões fundamentais da física e do Universo.
Smolin espera que este estudo possa permitir-lhe superar um dos maiores problemas não resolvidos da física e da cosmologia - unir as leis da física quântica com as leis da relatividade geral.
A física quântica funciona maravilhosamente bem quando aplicada aos átomos e suas partes constituintes; a relatividade geral é uma descrição testada e comprovada do espaço-tempo na escala macro dos planetas, estrelas e galáxias.
Quando estes dois conjuntos de leis se encontram, porém, como devem fazer para descrever o que acontece dentro de um buraco negro ou como o universo era na época do Big Bang, surge o conflito e o desentendimento.
Poderia o tempo ser a linha que irá costurá-las em uma peça única?
Relógio cósmico
Smolin espera que o levar o tempo a sério vai ajudar a desvendar o que aconteceu no cosmo primordial.
Até agora, é difícil distinguir as leis da natureza atuais das condições iniciais do universo - Em comparação, é fácil distinguir entre dois experimentos no laboratório porque estes testes podem ser repetidos com diferentes condições de partida. Os cosmólogos, entretanto, não podem reinicializar o universo.
Se ele puder lidar com as leis da física com a ajuda de um relógio cósmico fundamental, Smolin pode examinar a possibilidade de que essas leis possam ter sido diferentes no passado. A ideia de que as leis da física podem evoluir com o tempo só faz sentido num quadro em que o tempo é fundamental, afirma ele.
Para entender o porquê, imagine um jogo de futebol no qual as regras são programadas para mudar a cada minuto. Se o próprio relógio não for fundamental, mas também for governado por essas regras flutuantes, os pobres jogadores e árbitros estariam presos em um loop lógico infinito.
As idéias de Smolin podem ser pouco convencionais, mas outros cientistas admiram suas tentativas para salvar o tempo.
"Não fazer isso é negar os dados mais fundamentais que coletamos na vida diária - que estão na base da nossa capacidade de realizar experimentos e analisar teorias," diz George Ellis, um matemático da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul.
Entretanto, Carlo Rovelli, um físico da Universidade de Marselha, na França, é de opinião contrária: "Nós não devemos forçar as teorias à nossa intuição: nós mudamos a intuição para entender as teorias."
Além da filosofia
Smolin tem consciência de que suas teorias devem ser mais do que filosoficamente agradáveis para que possam ser consideradas científicas.
Ele observa que os astrônomos já estão usando telescópios de raios gama e observatórios de raios cósmicos para investigar se as leis da relatividade especial ainda se mantêm sob energias extremas. Esses experimentos produziram resultados que restringem algumas teorias quânticas da gravidade.
"Embora eles não resolvam a questão de saber se o tempo é real," diz Smolin, "esses experimentos limitam as opções para teorizações sobre a natureza do tempo."