Redação do Site Inovação Tecnológica - 09/08/2021
Cérebro 2.0
Todos sonhamos com o controle de aparelhos apenas pelo pensamento, sobretudo pessoas que têm deficiências motoras ou paralisia, além de todos que possuem entes queridos com doenças neurodegenerativas.
Embora, no estágio atual, essas tecnologias ainda estejam bem aquém dos nossos sonhos, é fato que as interfaces cérebro-computador podem fazer muito mais - na verdade, não sabemos bem os limites da sua aplicação.
E, como há muita gente trabalhando nisto, cedo ou tarde, as conexões da informática com o cérebro se tornarão realidade, o que exige que se discuta com antecedência todas as implicações éticas, legais e sociais dessa nova tecnologia.
Pesquisadores do Imperial College de Londres se propuseram justamente a verificar o quanto as promessas estão se aproximando da prática e quais os ganhos e riscos envolvidos.
Para isso, eles fizeram um levantamento de todos os dispositivos de interface cérebro-computador já disponíveis, discutindo suas principais limitações tecnológicas e as preocupações humanitárias relacionadas ao uso desses dispositivos.
Interface cérebro-computador
A técnica mais promissora dos aparelhos cérebro-computador que já estão se tornando realidade usa a eletroencefalografia (EEG), um método de monitorar o cérebro de forma não-invasiva por meio de sua atividade elétrica. Essas interfaces baseadas em EEG ainda exigirão uma série de avanços tecnológicos para chegar a um uso generalizado, mas elas também levantam uma variedade de questões sociais, éticas e legais.
Embora seja difícil entender exatamente o que um usuário experimenta ao operar um aparelho externo usando uma interface destas, algumas coisas já são certas, sendo a principal delas o fato de que as interfaces baseadas em EEG podem estabelecer uma comunicação de duas vias. Isso significa que a pessoa pode controlar os aparelhos eletrônicos, o que é particularmente útil para pacientes médicos, mas também pode ter o funcionamento do seu cérebro alterado por meio da interface.
"Para alguns desses pacientes, esses dispositivos se tornam uma parte tão integrada deles mesmos que eles se recusam a removê-los no final do ensaio clínico," contou Rylie Green, uma das autoras do estudo. "Tornou-se cada vez mais evidente que as neurotecnologias têm o potencial de moldar profundamente nossa própria experiência humana e nosso senso de identidade."
Riscos das neurotecnologias
As preocupações com a propriedade intelectual também são um problema a ser discutido, uma vez que podem permitir que empresas privadas que desenvolvem tecnologias cérebro-computador ganhem a propriedade dos dados neurais dos usuários.
"Isso é particularmente preocupante, uma vez que os dados neurais são frequentemente considerados as informações mais íntimas e privadas que podem ser associadas a qualquer usuário," disse o pesquisador Roberto Portillo-Lara. "Isso ocorre principalmente porque, além de seu valor diagnóstico, os dados do EEG podem ser usados para inferir estados emocionais e cognitivos, o que forneceria uma visão incomparável das intenções, preferências e emoções do usuário."
Há também preocupações mais gerais, em termos sociais, conforme pesquisadores trabalham em interfaces cérebro-computador para aprimoramento cognitivo, o que pode causar desequilíbrios nos sucessos acadêmicos ou profissionais. À medida que a disponibilidade dessas plataformas aumenta, dizem os pesquisadores, as disparidades no acesso a essas tecnologias podem exacerbar as desigualdades sociais existentes.
Controle da tecnologia
"Este panorama sombrio nos coloca frente a um dilema interessante sobre o papel dos formuladores de políticas na comercialização das interfaces cérebro-computador," disse Green. "Será que os órgãos reguladores devem intervir para evitar o uso indevido e o acesso desigual à neurotecnologia? A sociedade deve seguir o caminho percorrido por inovações anteriores, como a internet ou o telefone celular, que originalmente visavam a nichos de mercado, mas agora são comercializados em escala global?"
Estas e muitas outras questões correlatas só serão respondidas se os formuladores de políticas, neurocientistas, fabricantes e usuários começarem a discutir o assunto, de forma a guiar esse campo tecnológico para o rumo que a sociedade como um todo deseja.
"Apesar dos riscos potenciais, a capacidade de integrar a sofisticação da mente humana com as capacidades da tecnologia moderna constitui uma conquista científica sem precedentes, que está começando a desafiar nossos próprios preconceitos do que é ser humano," disse Green.