Redação do Site Inovação Tecnológica - 31/12/2020
Superposição temporal
Uma das mais impressionantes criações deste século, os cristais do tempo são estruturas cristalinas que apresentam uma periodicidade não no espaço, como nos cristais comuns, mas no tempo.
Perigosamente próximos de uma máquina de movimento perpétuo, segundo seu descobridor, o físico Frank Wilczek, esses cristais espaço-temporais poderão persistir mesmo em seu nível mais baixo de energia, quebrando as simetrias espacial e temporal e, eventualmente, sobrevivendo ao fim do Universo.
Agora, físicos demonstraram experimentalmente um fenômeno igualmente desafiador para o nosso senso comum: Uma partícula que existe simultaneamente em dois tempos diferentes.
É um tipo de superposição quântica, só que ocorrendo não no espaço - uma partícula que contém dois estados, por exemplo -, mas no tempo.
Em termos simples, é uma partícula que pode existir hoje e amanhã, ou ontem e hoje, ou ontem e amanhã - simultaneamente. Por ora, contudo, o experimento que demonstrou essa nova versão das chamadas correlações quânticas ocorre em "hojes" e "amanhãs" separados no tempo por períodos na casa dos picossegundos (4 x 10-12 segundo).
As coisas segundo a física clássica
A grande dificuldade em lidar com a superposição é que ela é destruída se qualquer tipo de informação sobre o local ou o tempo do evento vaza para o ambiente - um elétron ou um fóton desavisados passando por ali e entrando em contato com o experimento, por exemplo.
Santiago Velez e seus colegas da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, obtiveram evidências definitivas de uma superposição quântica temporal medindo a classe mais forte de correlações quânticas entre fótons (quant de luz) interagindo com fônons (quanta de vibração).
Os pesquisadores usaram um pulso de laser muito curto para disparar um padrão específico de vibração dentro de um cristal de diamante. Cada par de átomos vizinhos oscilava como duas massas ligadas por uma mola, e essa oscilação era síncrona em toda a região iluminada. Para conservar energia durante esse processo, a oscilação emite um fóton de uma nova cor, deslocada para o vermelho do espectro.
As mesmas coisas segundo a física quântica
No entanto, essa descrição clássica é inconsistente com os experimentos porque tanto a luz quanto a vibração devem ser descritas como partículas, ou quanta: A energia da luz é quantizada em fótons, enquanto a energia vibracional é quantizada em fônons (do grego antigo "foto = luz" e "fono = som").
Dessa forma, o processo descrito acima deveria ser visto como a fissão de um fóton proveniente do laser, criando um par de fóton e fônon - semelhante à fissão nuclear de um átomo dando origem a duas partes menores.
E essa não é a única deficiência da física clássica: Na mecânica quântica, as partículas podem existir em um estado de superposição, como o famoso gato de Schrodinger, que fica vivo e morto ao mesmo tempo.
Mais ainda, duas partículas podem ficar entrelaçadas (ou emaranhadas), perdendo sua individualidade: Tudo o que acontecer a uma afetará imediatamente a outra.
Superposição quântica no tempo
Velez e seus colegas usaram exatamente essa possibilidade, fazendo com que o fóton (luz) e o fônon (vibração) produzidos no cristal de diamante ficassem entrelaçados. Para fazer isso, eles projetaram um experimento no qual o par fóton-fônon pode ser criado em dois instantes diferentes. Em termos da física clássica, isso resultaria em uma situação em que o par é criado no momento t1 com 50% de probabilidade, ou em um momento posterior t2 com 50% de probabilidade.
Mas aí vem o "truque" que os pesquisadores usaram para gerar um estado entrelaçado. Com um arranjo preciso do experimento, eles garantiram que nem mesmo o menor traço do tempo de criação do par luz-vibração (t1 versus t2) fosse deixado no Universo - em outras palavras, eles apagaram todas as informações sobre t1 e t2.
A mecânica quântica prevê então que o par fônon-fóton se torna emaranhado e existe em uma superposição do tempo t1 e do tempo t2. Isto, que até agora era unicamente uma previsão teórica, foi espetacularmente confirmado pelas medições, que produziram resultados incompatíveis com a teoria probabilística clássica.
"Nosso estudo demonstra que mesmo um material comum [um diamante] em condições ambientais pode sustentar as delicadas propriedades quânticas necessárias para as tecnologias quânticas. Porém, há um preço a pagar: As correlações quânticas sustentadas por vibrações atômicas no cristal são perdidas após apenas 4 picossegundos - ou seja, 0,000000000004 de um segundo! Esta escala de tempo curta, no entanto, é também uma oportunidade para desenvolver tecnologias quânticas ultrarrápidas. Mas muita pesquisa ainda está por ser feita para transformar nosso experimento em um dispositivo útil - um trabalho para futuros engenheiros quânticos," disse o professor Christophe Galland.