Redação do Site Inovação Tecnológica - 27/02/2023
Computador, conhece-te a ti mesmo
Quando se fala nos computadores quânticos logo vem à mente a superação radical dos supercomputadores, com o processamento rápido de megadados, de novas formas de inteligência artificial, de simuladores do clima impensáveis hoje e muito mais.
Mas uma das aplicações mais interessante e mais esperadas dos computadores quânticos será direcionar seu olhar para dentro, para as próprias regras quânticas que os fazem funcionar: Os computadores quânticos poderão ser usados para simular a própria física quântica e talvez até explorar reinos que não existem em nenhum lugar da natureza.
Mas, mesmo sem contarmos ainda com um computador quântico de grande escala totalmente funcional, já estamos caminhando nesse sentido usando um tipo muito especial de processamento, que os físicos chamam de simulador quântico.
A plataforma líder para a simulação quântica usa como qubits átomos ultrafrios - átomos que são resfriados a temperaturas um pouco acima do zero absoluto. Esses átomos podem ser controlados com feixes de laser e campos magnéticos e persuadidos a executar uma rotina de dança quântica coreografada projetada pelo cientista.
É parecido com um programa de computador tradicional, só que, em vez de criar objetos em software e estabelecer seus comportamentos, as próprias partículas fazem o que elas sabem fazer de melhor: Ser elas mesmas. Nenhum programa de computador consegue conter todos os comportamentos possíveis de uma partícula, sobretudo quando se leva em conta que sequer sabemos tudo sobre essas partículas e seus comportamentos. Assim, um simulador quântico usa o próprio mundo natural para simular o mundo natural.
Simulador quântico
Agora, pesquisadores do Joint Quantum Institute (JQI), da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, lançaram uma versão 2.0 dos simuladores quânticos - o brasileiro Amilson Fritsch, da USP de São Carlos (SP), faz parte do grupo.
Em dois experimentos, eles contorceram o formato dos seus átomos, enrolando suas rotações mecânicas-quânticas (spins) no espaço e no tempo, antes de "amarrá-los" para criar uma espécie de pretzel espaço-temporal quântico.
Os átomos ultrafrios foram usados para emular elétrons em um cristal. O papel do cristal é desempenhado por lasers, que criam um padrão repetitivo de luz parecido com uma caixa de ovos, para os átomos ultrafrios habitarem. A localização e a velocidade dos átomos também adquirem um padrão repetitivo, e os spins atômicos traçam formas que definem a topologia.
Em seu experimento de enrolamento dos átomos, os físicos criaram um cristal bidimensional, mas não nas duas dimensões usuais de uma folha de papel: Uma das dimensões estava no espaço, como a direção de um fio fino, enquanto a outra era o tempo. Nessa folha composta de espaço e tempo, o spin dos átomos desenhava uma curiosa forma em função da velocidade dos átomos no cristal tempo-espaço.
Os pesquisadores então mapearam a forma curvilínea do espaço-tempo que criaram e observaram como seus átomos transitavam entre diferentes formas sinuosas, identificando uma estrutura rica, inacessível a átomos simples e estacionários usados nos simuladores atuais.
Topologia
Essa configuração, lidando com o espaço e com o tempo, torna o simulador ideal para lidar com a topologia, a classificação dos objetos de acordo com o número de buracos que eles têm. Essa classificação enganosamente simples de formas tem sido surpreendentemente impactante na física. Ela explica coisas como o efeito Hall quântico, que produz uma resistência elétrica precisamente repetível usada para definir o padrão de resistência, e os isolantes topológicos, que prometem um dia servir como componentes de computadores quânticos robustos, além de servirem para outras plataformas computacionais.
Mas a topologia que mais interessa aos físicos não está realmente relacionada à forma do material real. Em vez disso, é a forma assumida pelas ondas quânticas que viajam dentro do material. Frequentemente, os físicos observam uma propriedade intrínseca das partículas quânticas, chamada spin, e como ela gira à medida que uma partícula acelera ou desacelera dentro do pedaço sólido de material.
A novidade é que não se trata apenas de uma forma em um espaço: O tempo funciona efetivamente como outra dimensão nessa curiosa dança dos átomos.
"A topologia é definida em relação às superfícies. Uma das dimensões que definem a superfície pode ser o tempo. Isso é conhecido há algum tempo teoricamente, mas só agora está sendo testado experimentalmente," disse Ian Spielman, membro da equipe.
Simulações aos milhões
Para criar uma superfície que se curvasse sobre si mesma tanto no espaço quanto no tempo, os pesquisadores lançaram lasers de duas direções e um campo magnético de radiofrequência de cima sobre sua nuvem de átomos ultrafrios. Os lasers e o campo magnético se combinaram para criar áreas de alta e baixa energia, em relação às quais os átomos são empurrados ou atraídos, como uma caixa de ovos.
E esta caixa tinha uma forma peculiar: Em vez de duas fileiras de acomodações, como em uma caixa de ovos comum, havia apenas uma fileira. E cada acomodação da caixa era composta de dois sub-compartimentos, produzindo um padrão semelhante a um cristal repetitivo ao longo de uma linha no espaço.
Ao ajustar como os lasers e os campos magnéticos se alinham uns em relação aos outros, a equipe pode mudar todo o padrão para o lado em um sub-compartimento. Mas eles não mudaram apenas uma vez, eles sacudiram ritmicamente a caixa de ovos para frente e para trás numa agitação rítmica que criou um padrão repetitivo no tempo, semelhante ao padrão espacial repetitivo dos átomos de um cristal.
Esses não eram estados naturais e confortáveis para os átomos: Eventualmente, os átomos se estabelecem em seus estados mais naturais, seus estados de equilíbrio. Mas, ao longo do caminho, os pesquisadores puderam capturar quadros congelados de várias formas topológicas diferentes - algumas que nunca ocorreriam, a não ser por um instante. Esses resultados revelaram novos mistérios que os pesquisadores agora precisarão investigar em detalhes.
Se, dispondo apenas de experimentos simples e usando uma caixa de ovos quânticos os físicos já se depararam com novas avenidas de pesquisa, imagine quando tivermos simuladores quânticos com milhões de qubits, facilmente controláveis e permitindo repetir experimentos à exaustão alterando cada parâmetro de uma vez... É esperar para ver.