Com informações do CBPF - 18/11/2011
Neutrinos e antineutrinos
Cientistas do experimento Double Chooz, com importante participação de físicos brasileiros, detectaram o desaparecimento de antineutrinos do elétron a curta distância.
Este resultado ajuda a determinar o até então desconhecido terceiro ângulo de mistura dos neutrinos, uma propriedade fundamental com consequências importantes para a física de partículas e astropartículas.
A colaboração Double Chooz estuda neutrinos capturados em um detector instalado próximo aos dois reatores da usina nuclear próxima à cidade de Chooz, na França.
A medida deste terceiro ângulo completa o quadro de oscilações de neutrinos, como descrito por outros experimentos, e abre novas perspectivas para entender porque só encontramos matéria e nenhuma antimatéria no nosso Universo atual.
A esse respeito, veja também os recentes resultados do LHC.
Sabores de neutrinos
Neutrinos são as partículas mais comuns existentes no Universo, mas são as menos visíveis.
Eles ficaram famosos recentemente, quando cientistas acreditam ter observado neutrinos viajando mais rápido do que a luz.
Eles existem em três tipos, chamados de "sabores", e são conhecidos desde o final dos anos 90 por sua capacidade especial de mudar de um tipo para outro. Este fenômeno é chamado de oscilação de neutrinos e implica que os neutrinos têm massa.
Oscilações de neutrinos são atualmente um campo de pesquisa muito ativo, com vários experimentos buscando uma descrição completa do mecanismo.
Neutrinos são produzidos de várias formas, como por processos de fusão no interior do Sol e pelos raios cósmicos que bombardeiam a atmosfera.
Os três diferentes sabores de neutrinos estão relacionados com os léptons carregados que são seus parceiros: elétron, múon e tau.
Experimento Double Chooz
O experimento Double Chooz - que integra universidades e institutos de pesquisa do Brasil, Inglaterra, França, Alemanha, Japão, Rússia, Espanha e EUA - se dedica a medir oscilações de neutrinos com precisão sem precedentes, ao observar antineutrinos produzidos num reator nuclear próximo.
Esse experimento começou a coletar dados há seis meses. Na conferência LowNu 2011, na Coréia do Sul, na semana passada, a colaboração anunciou seus primeiros resultados, relatando novos dados consistentes com oscilações de curto alcance. Este resultado é baseado na observação do "desaparecimento" de antineutrinos no fluxo esperado produzido pelo reator nuclear.
Apesar de esta ser a interpretação corrente, alguns cientistas acreditam que não exista um antineutrino, mas que os neutrinos são suas próprias antipartículas, e estão tentando provar isto em um experimento chamado EXO (Enriched Xenon Observatory), nos Estados Unidos.
Ângulo teta
As oscilações do neutrino dependem de três parâmetros de mistura, dos quais dois são grandes e foram medidos anteriormente.
O terceiro ângulo de mistura chamado θ13 (lê-se "teta um três") não tinha sido bem medido até agora e só havia um limite superior para seu valor. A colaboração Double Chooz, observando o "desaparecimento" de antineutrinos do elétron, apresenta evidência para oscilações envolvendo o terceiro ângulo com o seguinte valor: sin2 (2θ 13)= 0,085 ± 0,051. A probabilidade de não haver oscilação dada pelos resultados preliminares é apenas 7,9%.
A medida do último ângulo de mistura "θ 13" (teta13) é crucial para futuros experimentos destinados a medir a diferença entre oscilações de neutrinos e antineutrinos (violação de CP no setor leptônico). Além disso, este ângulo está relacionado indiretamente com a origem da assimetria entre matéria e antimatéria no Universo.
"O terceiro ângulo de mistura é atualmente o elo perdido da física de neutrinos. Medi-lo com precisão é a chave para abrir a porta para uma nova física, além do modelo padrão da física de partículas, e agora estamos muito perto disso", disse Herve de Kerret, pesquisador do CNRS da França e porta-voz da colaboração Double Chooz.
Transmigração dos neutrinos
Em junho de 2011, foram relatados por experimentos de aceleradores os primeiros sinais de oscilação de neutrinos do múon para neutrinos do elétron, envolvendo este terceiro ângulo.
A colaboração Double Chooz, que utilizou um detector localizado a uma distância de cerca de 1.000 m dos núcleos dos reatores, ao observar o "desaparecimento" de antineutrinos do elétron, apresenta evidências complementares e importantes de oscilação também envolvendo o terceiro ângulo de mistura.
A precisão da medida vai aumentar ainda mais ao longo do tempo e após o início da operação, no final de 2012, de um segundo detector localizado a uma distância de 400 m do primeiro. Nessa última distância, nenhuma transformação significativa em outro tipo de neutrino é esperada. Mas, combinando os resultados dos dois detectores, o valor de sin2 (2θ 13) poderá ser determinado com precisão ainda maior.
O alvo do detector é composto de 10 m3 de cintilador líquido desenvolvido especificamente para este experimento. O cintilador é dopado com gadolínio, a fim de marcar os nêutrons provenientes do decaimento beta inverso induzido pelos antineutrinos do reator.
O alvo está cercado por camadas de outros líquidos que o protegem contra outras partículas e radioatividade do meio ambiente. O alvo é visto por 390 fotomultiplicadoras imersas no líquido cintilador, que convertem as interações em sinais eletrônicos.
Estes sinais são processados em um sistema de aquisição de dados, que está pronto para coletar dados ao longo dos próximos cinco anos.
Contribuição brasileira
A contribuição brasileira ao experimento Double Chooz envolve atualmente sete pesquisadores: João dos Anjos (coordenador), Ademarlaudo Barbosa, Herman Pessoa Lima Jr, Iuri Pepe e Gustavo Valdiviesso (todos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas - CBPF), Ernesto Kemp (UNICAMP) e Pietro Chimenti (UFABC).
A colaboração brasileira consistiu no desenvolvimento e construção de uma eletrônica capaz de medir a energia dos múons cósmicos que cruzam o detector.
Isto possibilitará identificar e rotular múons altamente energéticos e candidatos a produzir nêutrons por espalação, uma das fontes mais importantes de ruído para eventos de neutrinos. A eliminação desse ruído permitirá reduzir os erros sistemáticos na medida de teta13.
A eletrônica foi projetada no CBPF e os módulos para o detector mais distante estão sendo construídos em cooperação com indústrias brasileiras e serão adicionados ao detector central em março de 2012 por ocasião de uma parada para manutenção.