Redação do Site Inovação Tecnológica - 14/08/2024
Ondas de matéria
A NASA divulgou os primeiros resultados dos testes de uma nova tecnologia de medição que promete ampla utilização, desde rastrear o ciclo da água na Terra e explorar a composição de planetas e luas até investigar fenômenos cósmicos ainda pouco compreendidos e partículas desconhecidas.
O experimento, chamado Laboratório de Átomos Frios (Cold Atom Lab), é pioneiro no modo como ele usa as tecnologias quânticas no espaço - apesar do nome, ele é pouco maior do que uma mala de viagem e foi instalado na Estação Espacial Internacional.
Dentro desse laboratório portátil estão geradores de um estado da matéria conhecido como condensado de Bose-Einstein, aglomerados de átomos que são resfriados até próximo do zero absoluto, quando então o conjunto de átomos - de rubídio e potássio, neste caso - passa a se comportar como se fosse um só, um gigantesco átomo artificial.
Como todos os átomos essencialmente passam a compartilhar a mesma identidade quântica, algumas das propriedades tipicamente microscópicas dos átomos se tornam macroscópicas, tornando-as mais fáceis de estudar.
E é aí que as coisas começam a ficar interessantes.
Interferômetro atômico
Um dos fenômenos mais conhecidas da mecânica quântica é que os átomos podem agir tanto como partículas quanto como ondas. Os cientistas ainda não sabem como esses blocos de construção de toda a matéria conseguem fazer a transição entre comportamentos físicos tão diferentes, mas eles já estão tirando proveito disso, nas chamadas tecnologias quânticas.
A ideia do Laboratório de Átomos Frios é criar um instrumento de pesquisa chamado interferômetro, que permite medir com precisão a gravidade, os campos magnéticos e outras forças. A diferença é que o novo instrumento é um interferômetro atômico, ou seja, baseado em átomos, e não em luz, como é normalmente feito. Em outras palavras, graças às bizarras leis da mecânica quântica, o novo instrumento usa ondas de matéria, em lugar de ondas de luz.
Primeiro, os átomos são resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto, para minimizar seus movimentos térmicos. Eles então começam a apresentar propriedades ondulatórias, descritas pela mecânica quântica - essencialmente, ondas de matéria. Essas ondas são então divididas para fluir por dois caminhos diferentes, ao final dos quais elas são recombinadas, gerando um padrão de interferência. Analisando esse padrão é possível obter informações precisas sobre coisas como a rotação, a aceleração e a composição da matéria, o que permite medir campos presentes no ambiente, sejam gravitacionais, magnéticos, elétricos etc.
Os físicos estavam ansiosos para aplicar a interferometria atômica no espaço porque a microgravidade permite tempos de medição mais longos, o que dá maior sensibilidade ao instrumento. Por muito tempo, porém, se considerou que o equipamento extremamente sensível seria frágil demais para funcionar por longos períodos sem acompanhamento e ajustes técnicos. O novo laboratório, que é operado remotamente da Terra, mostrou agora que é duro na queda o suficiente.
"Alcançar esse marco foi incrivelmente desafiador, e nosso sucesso nem sempre foi garantido," disse Jason Williams, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. "Foi preciso dedicação e senso de aventura da equipe para fazer isso acontecer."
Sensores para medir a gravidade
Devido ao seu comportamento ondulatório, um único átomo pode simultaneamente viajar por dois caminhos fisicamente separados. Se a gravidade ou outras forças estiverem agindo sobre essas ondas, essa influência pode ser medida observando como as ondas se recombinam e interagem. Com a maior estabilidade do condensado de Bose-Einstein, essas medições podem se estender no tempo, diminuindo as incertezas.
Sensores espaciais capazes de medir a força gravidade com alta precisão têm uma ampla gama de aplicações potenciais. Por exemplo, eles podem revelar a composição de planetas e luas porque diferentes materiais têm diferentes densidades, que criam variações sutis na gravidade, e um interferômetro atômico tem uma sensibilidade mais do que suficiente para medir as mais sutis variações.
Mais importante, um interferômetro atômico consegue fornecer precisão e estabilidade adicionais em relação aos seus equivalentes ópticos, revelando mais detalhes sobre mudanças na massa da superfície.
"A interferometria atômica também pode ser usada para testar a teoria da relatividade geral de Einstein de novas maneiras," disse o professor Cass Sackett, da Universidade da Virgínia. "Esta é a teoria básica que explica a estrutura em larga escala do nosso Universo, e sabemos que há aspectos da teoria que não entendemos corretamente. Esta tecnologia pode nos ajudar a preencher essas lacunas e nos dar uma imagem mais completa da realidade que habitamos."
"Eu espero que a interferometria atômica baseada no espaço leve a novas descobertas emocionantes e a tecnologias quânticas fantásticas que impactem a vida cotidiana e nos transportem para um futuro quântico," disse o professor Nick Bigelow, da Universidade de Rochester.