Redação do Site Inovação Tecnológica - 03/11/2021
Escala astrobiológica
A menos que um disco voador pouse em uma praça pública e um de seus ocupantes se apresente - eventualmente afirmando "Quero falar com seu líder" -, afirmar categoricamente que encontramos vida alienígena pode ser mais difícil do que parece.
Acontece que nossas observações - sejam à distância, seja por sondas espaciais em outros corpos celestes - mais provavelmente se depararão com resultados com o típico grau de incerteza da ciência.
Na Física, por exemplo, criou-se uma escala, medida em sigmas, que estabelece o grau em que um resultado pode ser interpretado como uma descoberta - conforme os experimentos vão sendo aprimorados, vai diminuindo a chance de que os resultados possam ser explicados por uma aleatoriedade qualquer, até se alcançar os 5 sigmas, e a comunidade científica então aceita o resultado como um "fato".
Uma equipe de astrobiólogos da NASA está agora propondo o mesmo para a detecção de sinais que possam ser atribuídos a alguma forma de vida extraterrestre.
"Até agora, deixamos o público pensando que há apenas duas opções: é vida ou não é vida," detalhou Mary Voytek, chefe do Programa de Astrobiologia da NASA. "Precisamos de uma maneira melhor de compartilhar o entusiasmo de nossas descobertas e demonstrar como cada descoberta fundamenta a próxima, para que possamos informar o público e outros cientistas ao longo da jornada."
Superando as incertezas científicas
A proposta é criar uma escala para avaliar e combinar diferentes linhas de indícios e evidências que levariam, em última instância, a uma resposta à pergunta definitiva: Estamos sozinhos no Universo?
Como uma analogia, a equipe cita a escala "Nível de Prontidão Tecnológica" (Technology Readiness Level), um sistema usado pela NASA para avaliar o quão pronta uma espaçonave ou tecnologia está para ser enviada ao espaço. Ao longo desse espectro, tecnologias de ponta, como o helicóptero Engenhosidade, começam como ideias e se desenvolvem em componentes rigorosamente testados de missões espaciais.
Da mesma forma, toda a ciência é um processo de fazer perguntas, elaborar hipóteses, desenvolver métodos para testar essas hipóteses e descartar explicações alternativas.
E um único resultado pode não ser o suficiente para negar ou demonstrar que "algo" é fruto de um processo biológico: Às vezes, há problemas com a idealização do experimento, das condições de sua realização ou de deficiências de projeto ou mesmo defeitos dos próprios instrumentos. Outras vezes, os experimentos não revelam absolutamente nada, mas ainda fornecem informações valiosas sobre o que não funciona ou onde não procurar.
Com a astrobiologia não é diferente. À medida que os cientistas aprendem mais e mais sobre quais tipos de sinais estão associados à vida em diversos ambientes na Terra, eles podem criar e aprimorar as tecnologias necessárias para encontrar sinais semelhantes em outros lugares.
Escala da vida extraterrestre
A escala contém sete níveis. No primeiro deles, o "nível 1", os cientistas relatariam indícios de uma assinatura de vida, como uma molécula biologicamente relevante.
Para subir para o "nível 2", seria necessário garantir que a detecção não tenha sido influenciada por contaminação dos instrumentos aqui na Terra, antes do lançamento.
No "nível 3", seria necessário demonstrar o mesmo sinal biológico em um ambiente análogo, seja um antigo leito de lago aqui na Terra ou em um local semelhante, a cratera Jezero de Marte, por exemplo, onde atualmente está o rover Perseverança.
Para adicionar evidências e subir os degraus do meio da escala, as detecções iniciais deverão ser complementadas com informações sobre se o ambiente poderia sustentar vida e, crucialmente, com a eliminação de qualquer possibilidade de origem não biológica da assinatura detectada. Para Marte, em particular, esse progresso só poderia ser feito com amostras do planeta trazidas à Terra, que poderiam ser analisadas por diferentes equipes, verificando independentemente os potenciais indícios de vida com uma variedade de instrumentos.
Se a combinação de todas essas evidências laboratoriais forem positivas, chegaremos então ao "nível 6", o segundo degrau mais alto da escala.
E, neste exemplo, para atingir o "nível 7", o padrão pelo qual os cientistas teriam uma certeza quase absoluta de ter detectado vida em Marte, seria necessário fazer uma missão adicional a uma parte diferente de Marte e ter todo o processo repetido.
Vida em exoplanetas
A escala pode ser aplicada a estudos além do Sistema Solar também, embora nenhuma tecnologia já desenvolvida até agora seja capaz de indicar inequivocamente a detecção de uma combinação de moléculas que indique vida. Mas detectar oxigênio na atmosfera de um exoplaneta, por exemplo, seria um passo significativo no processo de busca por vida, embora ele não seja, por si só, prova da existência de vida - o oxigênio pode ser gerado por processos geológicos, não-biológicos.
Para subir na escala, seria então necessário demonstrar que o sinal de oxigênio não resulta da contaminação de luz refletida da Terra, seguindo-se estudos da química da atmosfera do planeta para descartar a explicação geológica. Evidências adicionais de um ambiente que suporta vida, como um oceano, reforçariam a hipótese de que este planeta hipotético é habitado.
Já uma detecção simultânea de oxigênio e metano seria muito mais interessante, uma vez que essa combinação de gases na atmosfera da Terra indica vida. Como esses gases geram reações que se cancelam mutuamente, encontrar os dois mostraria a presença de fontes biológicas de ambos, o que seria suficiente para fazer a pesquisa chegar ao "nível 4".
Para chegar ao nível 5, os astrônomos precisariam de uma segunda detecção independente de algum indício de vida, como imagens do planeta com cores sugestivas de florestas ou algas. Ou seja, serão necessários mais de um telescópio e observações de longo prazo para se ter certeza sobre a localização de vida em um exoplaneta.
É claro que toda esta escala se aplica à busca por bioassinaturas, mas existem também os tradicionais esforços para localização de tecnoassinaturas de vidas mais avançadas.