Redação do Site Inovação Tecnológica - 02/06/2021
Cristais artificiais
A palavra cristal provavelmente lhe faz pensar em uma linda pedra polida, transparente ou colorida, como um cristal de quartzo, um diamante, uma esmeralda etc.
Mas os cristais estão por todos os lados; no seu saleiro, por exemplo.
O sal de cozinha, ou cloreto de sódio (NaCl), é um cristal formado por íons de sódio carregados positivamente (Na+) e íons de cloro carregados negativamente (Cl-). Você pode imaginar os íons como pequenas esfera que se atraem fortemente devido às diferentes cargas elétricas, formando cristais densamente compactados e rígidos.
Já o diamante e o quartzo são cristais formados por apenas um tipo de átomo, mas igualmente mantidos coesos por fortes forças de ligação - o diamante é formado por átomos de carbono, enquanto o quartzo é formado por átomos de silício.
E que tal se fosse possível construir outros cristais, com diferentes propriedades, usando não átomos, mas nanopartículas, e que essas nanopartículas pudessem ser igualmente mantidas coesas sem essas conhecidas forças atômicas e moleculares?
Pois isto foi justamente o que acaba de fazer Ihor Cherniukh e colegas do Laboratório Federal Suíço de Ciência e Tecnologia de Materiais: é a primeira vez que os cientistas conseguem montar uma matéria de baixo para cima usando nanopartículas para formar cristais, garante a equipe.
Super-redes cristalinas
As nanopartículas são elas próprias cristais muito pequenos, tipicamente nanocristais inorgânicos (sem carbono). E com uma vantagem interessante: Elas podem interagir umas com as outras de modos muito variados.
"Elas podem ser tão duras quanto bolas de bilhar, no sentido de que só sentem umas às outras quando colidem. Ou podem ter superfícies mais macias, como bolas de tênis. Além disso, elas podem ser construídas em muitas formas diferentes: Não apenas esferas, mas também cubos ou outros poliedros, ou entidades mais anisotrópicas," explicou o professor Maksym Kovalenko.
Esses diferentes formatos, composições, propriedades e modos de interação permitem usar essas nanopartículas para criar padrões organizados e muito densos, conhecidos como superredes. Nos últimos anos, vários experimentos mostraram que isso é possível misturando nanopartículas de formato esférico.
A equipe suíça agora abriu muito o leque dessas possibilidades ao descobrir como usar nanopartículas de diversos formatos, das esferas a cubos e outros formatos poliédricos. Ao misturar esferas e cubos, por exemplo, os nanocristais se organizam para formar estruturas familiares no mundo dos minerais naturais, como sal-gema ou as já famosas perovskitas, que vêm revolucionando o mundo dos semicondutores e dos materiais fotônicos. E a equipe ainda nem terminou os experimentos com cilindros e discos.
Megacristais
As estruturas construídas pela equipe são megacristais, até 100 vezes maiores do que as unidades básicas dos cristais convencionais, além de poderem ser projetadas de acordo com a aplicação que se tiver em mente.
Por exemplo, a equipe descobriu como construir cristais que apresentam ou não o fenômeno da superfluorescência, uma novidade que eles próprios haviam apresentado no ano passado - na superfluorescência a luz é irradiada de forma coletiva e muito mais rápida do que os mesmos nanocristais podem fazer em seu estado convencional.
Os materiais de perovskita são muito eficientes para transformar a luz em eletricidade, por isso estão sendo estudados para uso em células solares avançadas. Agora, com estas técnicas de montagem, os pesquisadores afirmam que diferentes nanopartículas poderão ser combinadas para produzir novos materiais com propriedades complementares simultâneas, como a capacidade de absorver diferentes comprimentos de onda da luz, por exemplo.
Entropia como força organizadora
O que é particularmente curioso na formação desses megacristais artificiais é que sua estrutura altamente ordenada é criada exclusivamente pela força da entropia, isto é, o esforço perpétuo da natureza para levar tudo à desordem máxima - é recente a descoberta de que a entropia pode produzir ordem.
Essa paradoxal força organizadora emerge porque, durante a formação do cristal, as nanopartículas tendem a usar o espaço ao seu redor da forma mais eficiente possível, a fim de maximizar sua liberdade de movimento durante os estágios finais da evaporação do solvente usado no processo de fabricação, ou seja, antes que elas sejam "congeladas" em suas posições na rede cristalina.
A forma dos nanocristais individuais também desempenha um papel crucial - cubos de perovskita permitem um adensamento maior do que o que se pode obter com nanopartículas totalmente esféricas. Assim, a força da entropia faz com que os nanocristais sempre se arranjem no empacotamento mais denso possível - desde que sejam projetados de forma a não se atrair ou se repelir por outros meios, como a eletrostática.
Em resumo, é um novo tipo de química, com a possibilidade de criar tipos inteiramente novos de cristais, que exigirão sua própria classificação e terão suas próprias possibilidades de aplicação.
"E isso agora levanta muitas outras questões; Ainda estamos no começo: Quais propriedades físicas essas superredes fracamente ligadas apresentam e qual é a relação estrutura-propriedade? Elas podem ser usadas para certas aplicações técnicas, digamos, em computação quântica óptica ou em imagens quânticas? De acordo com que leis matemáticas elas se formam? Elas são realmente termodinamicamente estáveis ou estão apenas cineticamente presas?" comentou o professor Kovalenko, adiantando que já está em busca de colegas teóricos que possam ajudar a prever o que ainda pode acontecer nesse campo emergente.