Com informações do HZDR - 27/07/2021
Jatos de antimatéria
Corpos celestes com condições extremas - estrelas de nêutrons e buracos negros, por exemplo - há muito cativam a imaginação dos cientistas e do público, que ficam teorizando ou imaginando como a física funciona por lá.
Por exemplo, as estrelas de nêutrons que giram muito rapidamente geram campos magnéticos descomunais, enquanto os buracos negros têm uma enorme atração gravitacional, que acabam emitindo jatos de altíssima energia rumo ao espaço quando interagem com a matéria que os alcança.
Agora, uma equipe internacional de físicos está propondo um novo conceito não menos cativante para estudar em laboratório alguns desses processos e ambientes extremos, nos quais um ser humano sequer poderia existir.
A ideia é usar a luz - feixes de laser de alta intensidade - para criar jatos de antimatéria aqui mesmo na Terra.
"A criação de elétrons e pósitrons apenas a partir da luz é uma previsão básica da eletrodinâmica quântica, mas é algo que ainda está por ser observado. Nossas simulações mostram que as condições necessárias são alcançáveis usando uma instalação de laser de dois feixes de alta intensidade e um alvo com um projeto avançado," escreveu a equipe, liderada por Yutong He, do Centro Helmholtz, na Alemanha.
Criação de matéria a partir da luz
A base do novo conceito é um minúsculo bloco de plástico, entrecruzado por canais muito finos, com diâmetros na faixa dos micrômetros. É esse pedaço de plástico que irá servir como um alvo para os dois lasers. Ambos devem disparar simultaneamente pulsos ultra-fortes sobre o bloco, um da direita e outro da esquerda - o bloco de plástico é literalmente capturado por uma pinça de laser.
"Quando os pulsos de laser penetram na amostra, cada um deles acelera uma nuvem de elétrons [até velocidades] extremamente rápidas," explicou o professor Toma Toncian. "Essas duas nuvens de elétrons então correm uma em direção à outra com força total, interagindo com o laser que se propaga na direção oposta."
A colisão é tão violenta que produz um número extremamente grande de radiação gama - partículas de luz (ou quanta) com uma energia ainda maior do que a dos raios X.
O enxame de fótons gama é tão denso que as partículas de luz inevitavelmente colidem umas com as outras. E então algo maluco acontece: De acordo com a famosa fórmula E = mc2 de Einstein, a energia da luz pode se transformar em matéria - e em antimatéria.
Neste caso, devem ser criados principalmente pares elétron-pósitron - os pósitrons são as antipartículas dos elétrons.
Feixe de antimatéria
Segundo o professor Alexey Arefiev, da Universidade da Califórnia em San Diego, outro coautor da proposta, o que torna esse processo especial é que "campos magnéticos muito fortes o acompanham. Esses campos magnéticos podem concentrar os pósitrons em um feixe e acelerá-los fortemente."
Está gerado então o feixe de pósitrons, um feixe de antimatéria.
A uma distância de apenas 50 micrômetros, as partículas devem atingir uma energia de 1 GeV (gigaeletronvolt), algo que hoje exige um acelerador de partículas enorme.
Para ver se a ideia funcionaria, a equipe testou tudo em uma elaborada simulação de computador. Os resultados são encorajadores: Em princípio, o conceito deve ser viável. "Fiquei surpreso que os pósitrons que foram criados acabaram formando um feixe coeso de alta energia na simulação," diz Arefiev.
Além do mais, o novo método deve ser muito mais eficiente do que ideias anteriores desse tipo, em que apenas um único pulso de laser é disparado em um alvo individual: De acordo com a simulação, o "ataque duplo do laser" deve ser capaz de gerar até 100.000 vezes mais pósitrons do que o conceito de disparo único.
"Além disso, em nosso caso, os lasers não precisariam ser tão potentes quanto em outros conceitos," explicou Toncian. "Isso provavelmente tornaria a ideia mais fácil de colocar em prática."
Astrofísica e física nuclear
Para a astrofísica, bem como para a física nuclear, a nova técnica pode ser extremamente útil. Afinal, alguns processos extremos no espaço também podem produzir grandes quantidades de quanta gama, que então se materializam rapidamente em pares de alta energia.
"É provável que tais processos ocorram, entre outros, na magnetosfera dos pulsares, ou seja, de estrelas de nêutrons em rotação rápida," disse Arefiev. "Com nosso novo conceito, tais fenômenos poderiam ser simulados em laboratório, pelo menos até certo ponto, o que nos permitiria entendê-los melhor."
Passar da simulação para a prática, contudo, pode não ser tão rápido, já que existem poucos lugares no mundo onde o método pode ser implementado.
O mais adequado seria uma instalação de laser única no mundo, localizada na Romênia, chamada ELI-NP (Infraestrutura de Luz Extrema - Física Nuclear). Amplamente financiado pela União Europeia, o laboratório possui dois lasers ultra-poderosos que podem disparar simultaneamente em um alvo - o requisito básico para o novo método.
Como o ELI-NP tem sua própria agenda, a equipe pretende começar a fazer os primeiros testes básicos na Alemanha mesmo, no XFEL (Instalação Europeia de Laser de Elétrons Livres de Raios X), que é atualmente o mais potente laser de raios X do mundo, mas não conseguirá fazer os disparos simultâneos.