Redação do Site Inovação Tecnológica - 22/08/2023
Extrair energia do movimento browniano
Sabemos que todos os sistemas físicos apresentam flutuações aleatórias constantes, resultantes do movimento térmico dos átomos, conhecido como movimento browniano.
Desde o início do século XIX houve interesse em extrair trabalho útil desse movimento. Mas, na década de 1960, o famoso físico Richard Feynman jogou uma pá de cal sobre o assunto em uma série de palestras sobre o movimento browniano, em demonstrações que passaram a fazer parte dos livros-texto de Física até hoje.
Mas parece que a análise de Feynman não era assim tão completa, tendo deixado de lado algo essencial, como acaba de demonstrar uma equipe das universidades de Arkansas, Stanford (EUA) e Carlos III de Madrid (Espanha).
A equipe provou rigorosamente que as flutuações térmicas de uma folha de grafeno, devidamente conectada a um circuito com diodos com resistência não-linear e capacitores de armazenamento, de fato produz um trabalho útil, carregando os capacitores com eletricidade.
Os pesquisadores descobriram que, quando os capacitores de armazenamento têm carga inicial zero, o circuito extrai energia do ambiente térmico para carregá-los.
Além disso, capacitores de armazenamento maiores retiram mais carga do mesmo circuito, e uma capacitância menor do grafeno fornece tanto uma taxa inicial de carregamento mais alta quanto um tempo mais longo para descarregar. Essas características são importantes porque permitem tempo para desconectar os capacitores de armazenamento do circuito de coleta de energia antes que a carga líquida seja perdida.
A equipe demonstrou ainda que o sistema satisfaz tanto a primeira quanto a segunda lei da termodinâmica ao longo do processo de carregamento.
Energia térmica não-linear
A descoberta se baseia em dois estudos anteriores da mesma equipe. Em 2016, eles identificaram as propriedades vibracionais únicas do grafeno e seu potencial para captação de energia.
Então, em 2020 eles propuseram um circuito usando grafeno capaz de fornecer energia limpa e ilimitada para pequenos dispositivos ou sensores.
Agora a equipe foi além, tanto em termos de rigor matemático quanto de aplicação prática, apresentando o projeto de um circuito capaz de captar energia do calor da Terra e armazená-la em capacitores para uso posterior, o que eles chamam de "energia térmica não-linear".
"Teoricamente, era isso que queríamos provar. Existem fontes de energia bem conhecidas, como cinética, solar, radiação ambiente, acústica e gradientes térmicos. Agora também há energia térmica não-linear," explicou o professor Paul Thibado. "Normalmente, as pessoas imaginam que a energia térmica requer um gradiente de temperatura. Isso é, claro, uma importante fonte de energia prática, mas o que descobrimos é uma nova fonte de energia que nunca existiu antes. E essa nova energia não requer duas temperaturas diferentes porque ela existe em uma única temperatura."
Coletor de Energia de Grafeno
Tudo começou quando a equipe monitorou no nível atômico o movimento dinâmico de ondulações em uma folha de grafeno livre - que não está apoiada sobre um substrato. E essas ondulações sobem e descem em resposta à temperatura ambiente.
"Quanto mais fino algo é, mais flexível é," disse Thibado. "E, com apenas um átomo de espessura, não há nada mais flexível. É como um trampolim, movendo-se constantemente para cima e para baixo. Se você quiser impedi-lo de se mover, terá que resfriá-lo a 20 Kelvin."
Assim, pode ser que o mecanismo funcione com outros tipos de materiais monoatômicos, mas isto ainda terá que ser demonstrado. Por enquanto, a equipe fala apenas em seu "Coletor de Energia de Grafeno", que usa uma folha de grafeno carregada negativamente suspensa entre dois eletrodos de metal.
Quando o grafeno oscila para cima, isso induz uma carga positiva no eletrodo superior; quando ele oscila para baixo, ele carrega positivamente o eletrodo inferior, criando uma corrente alternada. Com diodos conectados em oposição, permitindo que a corrente flua nos dois sentidos, criam-se caminhos separados através do circuito, produzindo uma corrente pulsante que realiza trabalho em um resistor de carga.
Da impossibilidade física ao mercado
Os pesquisadores já estão trabalhando com uma empresa emergente, para lançar seus coletores de energia de grafeno visando o mercado da internet das coisas e sensores em geral, um espaço até agora ocupado pelos nanogeradores triboelétricos.
"Sempre houve essa pergunta: 'Se nosso dispositivo de grafeno estiver em um ambiente realmente silencioso e escuro, ele coletaria alguma energia ou não?' A resposta convencional é não, já que isto aparentemente desafia as leis da física. Mas a física nunca foi analisada com cuidado."
"Acho que as pessoas ficaram com um pouco de medo do assunto por causa do Feynman. Então, todo mundo disse: 'Não vou tocar nisso.' Mas a questão continuou exigindo nossa atenção. Honestamente, sua solução só foi encontrada através da perseverança e abordagens diversificadas de nossa equipe única," concluiu Thibado.