Redação do Site Inovação Tecnológica - 14/12/2022
Limiar da fusão nuclear
Depois de vários "vazamentos" e grande impacto na mídia em geral, o Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, confirmou oficialmente ter alcançado a ignição da fusão nuclear - ainda que por pouco mais do que um bilionésimo de segundo.
Foi o primeiro experimento de fusão controlada de um tipo conhecido como fusão por confinamento a produzir mais energia a partir da fusão nuclear do que a energia do laser usada para alimentá-la.
Durante o experimento, cujo resultado levou meses para ser analisado para que a equipe tivesse segurança para anunciá-lo, o experimento ultrapassou o limite da fusão nuclear ao fornecer 2,05 megajoules (MJ) de energia ao combustível, que então gerou 3,15 MJ de saída.
É um feito científico notável, perseguido há cerca de 50 anos, a um custo de bilhões de dólares, demonstrando que esta abordagem também funciona.
A fusão nuclear é a energia que alimenta as estrelas, sendo mais limpa - ou menos suja - do que a fissão nuclear usada nos reatores nucleares atuais e não emitindo os gases de efeito estufa que estão influenciando o clima.
Em 2021, a equipe já havia anunciado a ignição da fusão nuclear, mas ainda sem ganho líquido de energia.
Como funciona a fusão nuclear?
O feito foi alcançado no NIF (National Ignition Facility), um gigantesco laboratório experimental que está tentando chegar à fusão nuclear por um método conhecido como fusão por confinamento, ou fusão inercial, que é diferente da abordagem que usa campos magnéticos para confinar um plasma, em estruturas chamadas tokamaks e estelaratores.
No NIF, um conjunto de 192 feixes de laser são focados simultaneamente em uma cápsula de dois milímetros contendo o combustível nuclear. O aquecimento quase instantâneo faz a cápsula implodir, comprimindo os átomos em seu interior, que então se fundem - esta é a fusão nuclear, que libera uma quantidade enorme de energia.
O combustível dentro da cápsula é o deutério-trício, uma parte dele congelada criogenicamente e outra na forma de gás. Deutério e trício são isótopos do hidrogênio, que se fundem para formar hélio. Quando a cápsula é aquecida pelos lasers, ela literalmente implode, fazendo os átomos em seu interior se comprimirem e se fundirem.
A obtenção da fusão nuclear sustentada exige que a energia gerada pelo combustível seja resultado do autoaquecimento devido às reações de fusão, em vez do aquecimento externo pelos pulsos de laser - dominante, mas não única, ou seja, os lasers continuam fornecendo um parcela da energia.
Isso já havia sido alcançado em 2021 no NIF, mas agora o experimento também gerou mais energia do que recebeu, com cerca de 50% mais energia de saída do que de entrada.
Outros experimentos de fusão nuclear
É importante notar que os reatores de fusão por contenção magnética do plasma já obtiveram resultados tão ou mais significativos.
O reator JET (Joint European Torus), no Reino Unido, começou a operar em 1983 e, no início deste ano, manteve uma reação de fusão nuclear por 5 segundos, produzindo um recorde de 59 megajoules de energia térmica e tornando-se o ponto mais quente do Sistema Solar, chegando a 150 milhões °C. Ele funciona hoje como uma espécie de laboratório do muito maior ITER, o reator de fusão nuclear internacional que está sendo construído na França.
Mais recentemente, o reator coreano KSTAR (Korea Superconducting Tokamak Advanced Research), sustentou uma reação de fusão por 30 segundos, em temperaturas acima dos 100 milhões °C.
Enquanto isso, experimentos alternativos, como a fusão magneto-inercial, o reator SPARC do MIT e o reator de fusão privado Trenta continuam fazendo seus próprios progressos.
Ponderações sobre a fusão nuclear
É necessário, contudo colocar em perspectiva o balanço energético da fusão nuclear realizada agora, sobretudo depois da cobertura um tanto exagerada feita pela mídia em geral, que anunciou o feito passando a impressão ao público de que "agora" poderemos contar com "energia limpa e inesgotável". Nenhuma dessas afirmações está correta, nem tampouco as expectativas geradas por elas.
Em primeiro lugar, a energia de entrada (2,05 MJ) refere-se tão-somente à energia passada pelos lasers para o combustível: Para que tudo funcione, sobretudo o funcionamento dos próprios lasers, o laboratório inteiro consome cerca de 300 MJ de energia.
Além disso, tratou-se de um pico de geração de energia, com duração de poucos nanossegundos - a equipe ainda não publicou os resultados detalhados. Em uma comparação não muito rigorosa, para produzir eletricidade como a que recebemos em casa, na forma de corrente alternada de 60 Hz, seria necessário que esses picos durassem cerca de 10.000 vezes mais do que o pico único registrado no experimento, e que se repetissem 60 vezes por segundo.
No entanto, após cada disparo, os lasers precisam esfriar horas antes de poderem ser acionados novamente, o combustível seja reposto e tudo preparado para gerar um novo pulso de energia - na prática, é mais comum haver vários dias de intervalo entre os disparos.
Considere, contudo, que a instalação onde foi feito o experimento não é uma usina, mas um laboratório, não tendo sido projetada para produzir energia em escala industrial. Para isso será necessário construir um reator apropriado, o que deverá começar com um protótipo experimental. Mas tampouco será algo rápido, uma vez que há muitos desafios técnicos e de engenharia a serem vencidos.
Enquanto isso, o NIF poderá continuar sendo usado para estudar fenômenos fundamentais da física e da astrofísica, uma vez que a conjunção dos lasers cria condições de temperatura e pressão só observadas nas estrelas e, em alguns casos, apenas nas explosões de estrelas, as supernovas.
Há um ditado muitas vezes repetido na comunidade científica, de que a energia da fusão nuclear está a 30 anos no futuro... e sempre estará. Talvez seja um exagero, já que o experimento mostrou que estamos progredindo, mas, em termos de produção prática de energia para uso da população, ele certamente continua válido.
A fusão nuclear é limpa?
A quase totalidade da cobertura jornalística feita nos últimos dias afirma que a "energia da fusão nuclear é limpa e segura". Embora ela de fato seja melhor do que uma termoelétrica a carvão ou petróleo, nenhuma das duas alegações é totalmente correta, sobretudo em relação às principais propostas de fusão nuclear sendo testadas até agora.
Embora ainda estejamos no reino da ciência básica, uma ideia para passar do experimento científico para um reator de fusão envolve um projeto híbrido fissão-fusão, em que um reator de fissão produza a energia para alimentar a fusão. Um reator desse tipo produzirá plutônio-239, urânio-233 e urânio-235, todos eles empregados na construção de bombas atômicas e, mesmo se não tiverem essa finalidade, precisarão ser armazenados por milhares de anos.
O reator de fusão nuclear também deverá produzir o próprio combustível, o trício, uma espécie de hidrogênio pesado, que é usado como "espoleta" para uma bomba nuclear, tornando essas armas menores e mais facilmente fabricáveis.
Ou seja, a fusão nuclear não é uma solução tão perfeita para a energia limpa como está se fazendo acreditar.
Por outro lado, existem também propostas para a construção de reatores de fusão nuclear sem radiação, baseados em um processo conhecido como fusão hidrogênio-boro, que é mais simples do que a fusão deutério-trício.