Redação do Site Inovação Tecnológica - 18/08/2021
Combustível limpo, processo sujo
O hidrogênio é considerado o combustível limpo por excelência porque, ao ser queimado, ele produz apenas água como subproduto.
Acontece que há diferentes formas de produzir hidrogênio, e esses processos de produção não são necessariamente limpos.
Hoje, a quase totalidade do hidrogênio é fabricada pela reforma do metano presente no gás natural, ou seja, nada muito diferente da queima de qualquer combustível fóssil: O próprio hidrogênio continua não produzindo poluentes novos, mas seu processo de fabricação deixou um rastro bem sujo.
E esse rastro pode ser até maior do que se imaginava, segundo cálculos feitos agora por Robert Howarth e Mark Jacobson, da Universidade Cornell, nos EUA.
Segundo os dois pesquisadores, a pegada de carbono para criar hidrogênio a partir do gás natural é mais de 20% maior do que usar gás natural ou carvão em processos que envolvem queima (termoeletricidade, por exemplo), ou cerca de 60% maior do que usar óleo diesel para o mesmo fim.
Hidrogênio derivado do metano
Mas como pode ser um combustível cuja queima não produz subprodutos ser mais "sujo" do que o tão mal-falado carvão?
Acontece que o metano (CH4) é um gás de efeito estufa muito poderoso, mais de 100 vezes mais forte como agente de aquecimento atmosférico do que o dióxido de carbono (CO2) quando emitido pela primeira vez. O relatório do IPCC divulgado na semana passada mostra que o metano contribuiu para o aquecimento global desde o século passado em uma magnitude que equivale a dois terços do efeito do dióxido de carbono, mesmo sendo emitido em quantidade muito menor.
"Agora a indústria está promovendo o hidrogênio azul como solução, uma abordagem que ainda usa o metano do gás natural, enquanto tenta capturar o subproduto dióxido de carbono. Infelizmente, as emissões permanecem muito grandes.
"As forças políticas podem não ter captado essa ciência ainda. Mesmo os políticos progressistas podem não entender no que estão votando. 'Hidrogênio azul' soa bem, soa moderno e soa como um caminho para o nosso futuro energético. Não é," disse Howarth.
Hidrogênio de muitas cores
Como os interesses econômicos nem sempre equivalem às preocupações ambientais, o hidrogênio como combustível começou a receber diferentes apelidos, na forma de cores.
O hidrogênio limpo é agora chamado "hidrogênio verde", sendo produzido a partir da eletrólise e, num cenário ideal, usando eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, sobretudo a solar. Já existe um mercado ofertando hidrogênio verde, mas ainda de pequenas proporções.
No cenário ideal, a tecnologia que desponta é a chamada fotossíntese artificial, em que a energia solar é usada diretamente para extrair o hidrogênio da água, sem qualquer poluente. Infelizmente, esta é uma tecnologia ainda em escala de laboratório, mesmo já tendo apresentado quase 20% de eficiência.
Enquanto isso, o hidrogênio continua sendo fabricado a partir dos combustíveis fósseis.
Esse processo, que agora se demonstrou ser mais poluente do que se calculava, começa com a conversão do metano em hidrogênio e dióxido de carbono usando calor, vapor e pressão. Nesse ponto, o gás é conhecido como "hidrogênio cinza".
O hidrogênio cinza se torna o "hidrogênio azul" quando são incorporados processos adicionais para capturar impurezas e pelo menos parte do dióxido de carbono gerado como subproduto.
Mas esses esforços não dão o resultado que as empresas geralmente apregoam, uma vez que as emissões de hidrogênio azul são pouco menores do que as do hidrogênio cinza - cerca de 9% a 12% menores.
"O melhor hidrogênio, o hidrogênio verde, derivado da eletrólise - se usado com sabedoria e eficiência - pode ser o caminho para um futuro sustentável," destacou Howarth. "O hidrogênio azul é totalmente diferente."