Redação do Site Inovação Tecnológica - 09/05/2023
Fronteira quântico-clássico
Mesmo que você não seja um físico, provavelmente já ouviu falar do famoso gato de Schrodinger.
O físico austríaco Erwin Schrodinger [1887-1961] idealizou o experimento mental no qual o felino pode estar vivo e morto ao mesmo para explicar o estranho fenômeno da superposição, em que uma partícula que obedeça às leis da mecânica quântica pode ter dois valores simultaneamente, apenas "decidindo-se" por um deles quando alguém faz uma medição - é por isso que o gato só sabe se está morto ou vivo quando você abre a caixa, que equivale à medição.
Desde então, esse experimento tem sido realizado na prática à exaustão, usando átomos e moléculas. Mas, como uma das grandes questões da física é onde está a fronteira entre os fenômenos que obedecem à física quântica e os fenômenos que obedecem à física clássica, tem havido grande interesse em repeti-lo com o maior objeto possível.
Marius Bild e colegas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (Suíça) acabam de bater um recorde, criando o gato de Schrodinger mais pesado até hoje - em vez de um átomo, eles usaram um aparato contendo algo como 100 peta-átomos (1017 átomos).
Não é um gato, claro, mas um pequeno cristal oscilante, que a equipe chama de "cristal-gato", que se mostrou obediente à mecânica quântica, apresentando uma superposição de dois estados oscilantes simultaneamente, comprovando mais uma vez a teoria, só que em uma escala nunca antes alcançada.
Gato de Schrodinger mais gordo até hoje
Além de lançar novas luzes sobre o mistério de por que as superposições quânticas não são observadas no mundo macroscópico, a técnica usada no experimento pode viabilizar a fabricação de bits quânticos mais robustos, que não percam os dados tão facilmente.
De fato, o "gato" usado pela equipe é essencialmente um qubit supercondutor, o tipo mais usados nos computadores quânticos - é um circuito supercondutor que pode assumir os valores lógicos "0", "1" ou uma superposição dos dois estados "0 + 1".
No experimento mental original de Schrodinger, um gato é trancado dentro de uma caixa junto com uma substância radioativa, um contador Geiger e um frasco de veneno. Em um determinado período de tempo - uma hora, digamos - um átomo na substância radioativa pode ou não decair através de um processo mecânico quântico com uma dada probabilidade, e os produtos do decaimento podem fazer com que o contador Geiger dispare e acione um mecanismo que quebra o frasco contendo o veneno, que acabaria por matar o gato.
Como nenhum observador externo consegue saber se um átomo realmente decaiu, não se sabe se o gato está vivo ou morto - de acordo com a mecânica quântica, que governa o decaimento do átomo, o gato está então em um estado de superposição, um estado vivo/morto.
A conexão entre o qubit e o "cristal-gato" não é um contador Geiger e um frasco de veneno, mas sim uma camada de material piezoelétrico, que cria um campo elétrico quando o cristal muda de forma conforme oscila. Esse campo elétrico pode ser acoplado ao campo elétrico do qubit e, portanto, o estado de superposição do qubit pode ser transferido para o cristal.
Como resultado, o cristal agora pode oscilar em duas direções ao mesmo tempo - para cima/para baixo e para baixo/para cima, por exemplo. Essas duas direções representam os estados "vivo" ou "morto" do gato. "Ao colocar os dois estados de oscilação do cristal em uma superposição, criamos efetivamente um gato de Schrödinger pesando 16 microgramas," disse a professora Yiwen Chu.
Isso é aproximadamente a massa de um grão fino de areia. Mas, mesmo ainda nem perto da massa de um gato, o "cristal-gato" é vários bilhões de vezes mais pesado do que um átomo ou molécula, tornando-o o gato quântico mais gordo até hoje.
Ondas gravitacionais e matéria escura
A equipe pretende continuar engordando seu gato. "Isso é interessante porque nos permitirá entender melhor o motivo do desaparecimento dos efeitos quânticos no mundo macroscópico dos gatos reais," disse Chu.
Além do interesse acadêmico, também existem aplicações potenciais em tecnologias quânticas. Por exemplo, as informações quânticas armazenadas em qubits podem se tornar mais robustas usando estados-gato compostos por um grande número de átomos em um cristal, em vez de depender de átomos ou íons individuais, como é feito atualmente.
Além disso, a extrema sensibilidade de objetos maciços em estados de superposição ao ruído externo pode ser explorada para medições precisas de pequenos distúrbios, como ondas gravitacionais ou para detectar a matéria escura.