Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/08/2024
Matéria densa quente
O calor muda drasticamente o estado da matéria: Dependendo da temperatura, as substâncias são sólidas, líquidas ou gasosas.
Mas a coisa pode ser menos cotidiana: Em uma certa faixa de temperatura, a matéria também assume um estado conhecido como matéria densa quente (MDQ), que é quente demais para ser descrita pela física da matéria condensada, e densa demais para ser descrita pela física de plasmas.
Como é uma fronteira muito difícil de pesquisar, ainda não conhecemos o limite entre a matéria densa quente e outros estados da matéria. Frequentemente é apontada uma faixa de temperatura que varia dos 5.000 aos 100.000 Kelvin, sob pressões de várias centenas de milhares de bar, em que um bar corresponde à pressão do ar na superfície da Terra.
A matéria densa quente não é estável em nosso ambiente cotidiano e é muito difícil de produzir ou mesmo examinar em laboratório. Normalmente, os cientistas comprimem amostras em bigornas de diamante, para atingir altas pressões, ou usam lasers poderosos para "torrar" sólidos por uma pequena fração de segundo.
Agora, pesquisadores do XFEL Europeu, um gigantesco laboratório de laser de raios X, demonstraram que as energias geradas por esse tipo de acelerador podem ser suficientes para produzir essa matéria exótica em laboratório e ainda conseguir estudá-la.
Isso é muito interessante porque a matéria densa quente deve estar presente em condições naturais no interior de planetas e deverá emergir também em condições artificiais, no interior de reatores de fusão nuclear.
Cobre transparente
Além de demonstrar uma nova ferramenta para estudos de astrofísica e energia, os experimentos revelaram algo ainda mais interessante: A equipe conseguiu fazer o cobre ficar transparente.
"A alta intensidade dos pulsos pode excitar os elétrons na folha de cobre a tal ponto que ela muda para o estado de matéria densa e quente," explicou o pesquisador Laurent Mercadier. "Isso pode ser visto em uma mudança em sua transmissão de luz."
Um metal atingido por um pulso intenso de raios X pode se tornar transparente se os elétrons no metal absorverem a energia dos raios X tão rapidamente que o estoque de elétrons se esgote. A "cauda" restante do pulso de raio X então atravessa o material sem impedimentos. Esse tipo de transparência é conhecido como absorção saturável.
A coisa também vale no sentido oposto: Um metal pode se tornar cada vez mais opaco se a frente do pulso criar estados excitados que tenham um coeficiente de absorção maior do que o metal frio. A cauda do pulso é então absorvida mais fortemente, um efeito conhecido como absorção saturável reversa.
Neste novo experimento, os pesquisadores dispararam pulsos de raios X de 15 femtossegundos de comprimento, muito focalizados, em um filme de cobre de 100 nanômetros de espessura.
"Em intensidades de raios X baixas a moderadas, o cobre se torna cada vez mais opaco ao feixe de raios X e apresenta absorção saturável reversa. No entanto, em intensidades mais altas, a absorção satura e a folha se torna transparente," contou Mercadier.
Importante para a fusão nuclear
Essas alterações drásticas de opacidade acontecem tão rapidamente que os núcleos atômicos no metal não têm tempo para se mover. "Estamos lidando com um estado muito exótico da matéria, onde a rede é fria e alguns dos elétrons ionizados são quentes e não estão em equilíbrio com os elétrons livres restantes do metal," explicou o pesquisador.
Entender a opacidade dos materiais sob essas condições extremas está entre os primeiros itens na lista de exigências para sermos capazes de domar a fusão por confinamento inercial, um tipo de reação de fusão nuclear que usa laser ultrapotentes para comprimir e aquecer uma cápsula de combustível, eventualmente criando as condições necessárias para a fusão.
A opacidade determina quanta energia de radiação é absorvida ou transmitida através do material da cápsula, o que é essencial para garantir que a energia usada para compressão não escape, permitindo reações de fusão eficientes.
Mas o trabalho não terminou: Embora a matéria densa quente tenha sido criada, é necessário compreender o processo de criação e sua estrutura, e isso exigirá pulsos de luz ainda mais curtos. "Na verdade, esses efeitos acontecem tão rápido que precisamos de pulsos de raios X ainda mais curtos para resolver completamente a dinâmica dos elétrons. Recentemente, o XFEL Europeu demonstrou a capacidade de gerar pulsos de attossegundos, abrindo assim uma porta para a chamada física de attossegundos," contou o pesquisador Andreas Scherz - um attossegundo equivale a 10-18 segundo, e a criação desses pulsos ultracurtos ganhou o Nobel de Física no ano passado.
Com pulsos de raios X de attossegundos, seria possível filmar com precisão o movimento dos elétrons durante a formação da matéria densa quente, ou durante reações químicas e, assim, melhorar significativamente nossa compreensão da alteração de opacidade dos materiais, além de muitos outros casos, como o desenrolar de reações químicas ou o funcionamento de catalisadores.