Redação do Site Inovação Tecnológica - 03/05/2022
Átomos híbridos de matéria e antimatéria
Uma equipe de físicos do CERN e do Instituto Max Planck, na Alemanha, descobriu que um átomo híbrido de matéria e antimatéria se comporta de maneira inesperada quando ele é submerso em hélio superfluido.
Enquanto o mergulho em um líquido é suficiente para alterar a forma como a maioria dos átomos responde, os átomos de hélio híbrido mantiveram uma uniformidade para a qual ainda não temos uma boa explicação.
O resultado foi tão inesperado que a equipe afirmou ter passado anos verificando seu experimento e tentando encontrar explicações alternativas para o resultado.
Mas de nada adiantou: Todas as vezes que o experimento foi refeito, os átomos híbridos continuaram respondendo de maneira precisa e sensível à luz do laser, apesar do líquido denso que os cercava.
Embora ainda careça de explicações, o fenômeno é real e, como tal, abre um novo caminho para usar a antimatéria para estudar as propriedades da matéria condensada, ou para procurar antimatéria em raios cósmicos e em outros lugares.
Diferenças entre matéria e antimatéria
Segundo o Modelo Padrão da física de partículas - a base do entendimento atual dos cientistas sobre a estrutura do Universo e as forças que agem dentro dele - exige que as partículas e suas antipartículas difiram no sinal de sua carga elétrica. Um antipróton - a contrapartida do próton, que é positivo - tem uma carga negativa. De acordo com o Modelo Padrão as outras propriedades são idênticas.
"Experiências com antimatéria são particularmente empolgantes no que diz respeito às leis fundamentais da física," disse o professor Masaki Hori, coordenador da equipe. "Em nossos experimentos anteriores, não encontramos nenhuma evidência de que as massas de prótons e dos antiprótons difiram minimamente. Se qualquer diferença pudesse ser detectada, por menor que fosse, isso abalaria os fundamentos da nossa visão atual do mundo."
Mas talvez os métodos experimentais disponíveis não sejam sensíveis o suficiente para detectar diferenças sutis que possam existir, por isso os físicos trabalham incansavelmente no refinamento de técnicas para examinar as características das antipartículas com precisão cada vez maior, o que inclui fazer as partículas de antimatéria levitarem magneticamente em câmaras de vácuo e confinar antiprótons em armadilhas de íons, feitas de campos elétricos e magnéticos.
O que os pesquisadores fizeram agora foi usar um átomo híbrido de hélio para comparar com precisão inédita as massas dos elétrons e dos antiprótons. Para isso, eles criaram um átomo híbrido substituindo os elétrons de um átomo de hélio por antiprótons, que são muito mais lentos e, portanto, ideais para viabilizar essas comparações com alta precisão.
Os pesquisadores misturaram os lentos antiprótons com hélio líquido resfriado a uma temperatura de alguns graus acima do zero absoluto, prendendo uma pequena parte dos antiprótons em átomos de hélio. O antipróton substituiu um dos dois elétrons que normalmente cercam um núcleo atômico de hélio, formando uma estrutura que permaneceu estável por tempo suficiente para ser estudada espectroscopicamente - verificar a reação do átomo a um feixe de luz que incide sobre ele.
Surpresa nos resultados
O problema é que, quando a equipe observou os átomos híbridos usando duas frequências de luz diferentes, os resultados não foram os previstos pela teoria. O normal seria que as linhas espectrais dos átomos variassem enormemente - é comum ver átomos alterando sua resposta à luz de tal forma que seu espectro de ressonância se amplia em até um milhão de vezes.
"Se a temperatura caísse abaixo da temperatura crítica de 2,2 Kelvin - 2,2 graus Celsius acima do zero absoluto - na qual o hélio entra em um estado superfluido, a forma das linhas espectrais mudava repentinamente. As linhas, que eram muito largas em temperaturas mais altas, tornaram-se estreitas," contou Anna Sótér, responsável pelos experimentos.
Na analogia mais tradicional, quando os átomos são comparados a bolas de bilhar, o normal é que, ao mergulhar em um líquido, os átomos comecem a trombar com inúmeros outros, o que mexe com suas características, mostradas pela sua linha espectral de resposta ao laser. Mas o que aconteceu com os átomos híbridos de matéria e antimatéria é que parece que eles não apenas não estão trombando com outros átomos, mas também que se tornaram imunes a quaisquer choques, tornando-se, de certa forma, mais "puros".
"Como a mudança marcante nas linhas espectrais do antipróton ocorre em tal ambiente e o que acontece fisicamente no processo é algo que ainda não sabemos," disse Hori. "Nós mesmos ficamos surpresos com isso."
Usos práticos
Mas as possibilidades oferecidas pelo efeito são de longo alcance porque o estreitamento das linhas de ressonância é tão drástico que torna-se possível delinear a estrutura hiperfina, que é uma consequência da influência mútua do elétron e do antipróton no átomo. Isso indica que os pesquisadores poderiam criar em hélio superfluido outros átomos de hélio híbrido com diferentes partículas de antimatéria e partículas exóticas para estudar em detalhes sua resposta à luz do laser e medir suas massas.
A equipe já demonstrou isso estudando um píon, ou méson pi, para substituir o elétron, criando um novo tipo de átomo híbrido de matéria e antimatéria. Agora eles estão planejando fazer o mesmo usando o káon, ou méson K.
As linhas espectrais muito nítidas também podem ser úteis na detecção de antiprótons e antideuterons na radiação cósmica, algo que os físicos vêm tentando fazer há décadas, por exemplo, com o Espectrômetro Magnético Alfa (AMS-2 - Alpha Magnetic Spectrometer-2), que está procurando por antimatéria a bordo da Estação Espacial Internacional.