Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/02/2023
Entrelaçamento genérico
O fenômeno do entrelaçamento, um dos mais conhecidos e explorados dentre os bizarros comportamentos explicados pela física quântica, acaba de mostrar-se mais amplo e mais significativo do que os próprios físicos acreditavam.
O termo entrelaçamento quântico - ou emaranhamento - descreve um elo invisível que conecta duas partículas: Não importa o quão distantes elas estejam no espaço, uma afetará imediatamente a outra. Isso significa que, se você medir o estado de uma delas, saberá imediatamente o estado da outra, mesmo que ela tenha dado um jeito de viajar para o outro lado da galáxia.
"O emaranhamento é uma das características definidoras que torna a mecânica quântica tão diferente do tipo de física que normalmente acontece ao nosso redor," comentou o professor Daniel Brandenburg, da Universidade do Estado de Ohio, nos EUA.
Tão estranho quanto pareça, o fenômeno está base de coisas hoje já triviais, da computação quântica às tecnologias fotônicas.
Mesmo com tamanha importância e significado, o entrelaçamento quântico até hoje só havia sido observado entre partículas idênticas - por exemplo, entre dois fótons ou entre dois nêutrons.
Agora, uma equipe internacional de físicos, conhecida como Colaboração Star, que reúne 584 cientistas de 54 instituições em 12 países diferentes, inclusive do Brasil, conseguiu pela primeira vez demonstrar que o entrelaçamento quântico é muito mais geral, podendo ocorrer entre partículas de famílias diferentes.
Se o entrelaçamento entre partículas idênticas já havia se tornado tão importante, é difícil prever o alcance desta descoberta.
Entrelaçamento entre partículas diferentes
A equipe usou o Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês), localizado nos Estados Unidos, para descobrir uma forma de entrelaçamento quântico que mostra que partículas de todos os tipos diferentes são capazes de interagir umas com as outras, levando à interferência em uma variedade de padrões diferentes.
"Conseguimos que diferentes tipos de partículas interferissem pela primeira vez, embora antes as pessoas pensassem que isso não era possível na mecânica quântica," disse Brandenburg.
O método se baseia em observar partículas de luz, ou fótons, que envolvem íons de ouro conforme eles se movem em torno do colisor. Por meio de uma série de flutuações quânticas, os fótons interagem com os glúons, partículas semelhantes a uma "cola", que atuam como uma força de ligação para manter unidos os quarks, as partículas dentro dos prótons e nêutrons que formam os núcleos dos átomos.
Essas interações produzem uma partícula intermediária que decai rapidamente em dois píons (p) com cargas diferentes. Ao medir a velocidade e os ângulos em que essas partículas p+ e p- atingem o detector, os físicos podem recolher informações cruciais sobre o fóton original, demonstrando um entrelaçamento nunca antes visto, documentado experimentalmente entre partículas totalmente diferentes.
"Nós medimos duas partículas de saída e claramente suas cargas são diferentes - são partículas diferentes - mas vemos padrões de interferência que indicam que essas partículas estão emaranhadas, ou em sincronia umas com as outras, embora sejam partículas distinguíveis," disse Zhangbu Xu, membro da equipe.
"Esta é a primeira observação experimental de emaranhamento entre partículas diferentes," reforçou Brandenburg.
Colisor vira microscópio
O experimento também pode ser visto de outra forma: Uma técnica inédita para perscrutar o interior do núcleo de um átomo com uma resolução inédita.
Usando o colisor como uma grande câmera digital, os pesquisadores usaram os fótons para rastrear as partículas que escaparam do centro da máquina conforme os átomos de ouro colidiam, obtendo imagens de alta resolução, muito parecidas com a forma como um exame de tomografia pode ser usado para gerar imagens e medir mudanças no corpo humano.
De posse da velocidade e do ângulo com que a luz atingia o colisor, os pesquisadores puderam essencialmente usar os píons como sondas para ver dentro dos núcleos atômicos de uma maneira nunca feita antes, mapeando o arranjo dos glúons - é como usar um colisor de partículas como um microscópio com resolução inédita, equivalente a um décimo até um centésimo do tamanho de um próton individual.