Com informações da Agência USP - 13/08/2014
Mistura estatística
A primeira transmissão de dados quântica via satélite já foi realizada, o teletransporte quântico já é prático e confiável e equipes e mais equipes de cientistas se debruçam para tentar entender o primeiro computador quântico a chegar ao mercado.
Mas há que se admitir que o sonho da computação quântica ainda não atingiu o que se espera dela, e continuamos a fabricar nossos supercomputadores com a velha e boa eletrônica.
Uma das principais razões para isso é que os sistemas quânticos - os qubits aí incluídos - são muito frágeis, sofrendo uma considerável influência do meio ambiente.
Para que atinjam seu máximo potencial, acreditam os físicos, é necessário preservar o "estado quântico puro", desses sistemas, tornando os qubits imunes à influência do meio.
Este que é o grande gargalo dos estudos nessa área é chamado pelos cientistas de ruído ou "mistura estatística", um termo cunhado para descrever a ausência indesejável desse estado puro nos sistemas quânticos.
"O meio ambiente necessariamente conduz o estado puro de um sistema quântico para uma mistura estatística de estados", esclarece o professor Miled Hassan Youssef Moussa, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).
Engenharia de Reservatório
Vários pesquisadores já propuseram soluções para o problema, mas, até o momento, nenhuma delas foi definitiva.
Em 1996, os físicos Juan Ignacio Cirac e Peter Zoller lançaram o "Esquema da Engenharia de Reservatório": sistemas quânticos, em contato com reservatórios térmicos poderiam manter sua pureza com a ajuda de um sistema auxiliar. O sistema auxiliar influenciaria a maneira pela qual o sistema quântico enxerga o reservatório térmico, impedindo sua transformação em mistura estatística.
A falha desse esquema é que ele se aplica apenas a estados predeterminados, e não a estados arbitrários, conforme se requer para o processamento da informação quântica.
Uma forma de contornar o problema da proposta de Cirac e Zoller foi sugerida pelo grupo de Miled, na qual estados não estacionários, que se modificam com o passar do tempo, são utilizados para que se mantenham aproximadamente puros apesar da ação do meio ambiente.
Outra proposta para resolução das "interrogações quânticas" é de autoria de outro brasileiro, Gentil de Morais Neto.
Emaranhamento e tunelamento
O grupo formado por Miled, Morais Neto e Mickel de Ponte, pesquisador da Universidade Estadual Paulista, propôs ainda um "tunelamento dissipativo não local".
Supondo que uma mensagem com uma sucessão de estados quânticos, partindo de um emissor para um receptor, deva chegar mantendo seus estados puros, através de um canal quântico, o tunelamento evitaria que ela fosse "contaminada" pelo meio ambiente.
Foi criado um mecanismo capaz de manter o estado puro da mensagem que, durante seu trajeto, leva ao "emaranhamento quântico" - ou entrelaçamento quântico - do emissor com o receptor. Em função do emaranhamento, a mensagem não precisa passar pelos sistemas que compõem o canal quântico e que estão em contato com o meio ambiente.
A alternativa criada, portanto, foi o envio da informação diretamente do emissor para o receptor - por tunelamento -, levando a mensagem da origem ao destino sem maior contato com o meio ambiente, conservando quase que completamente a pureza dos estados e, portanto, a fidelidade da mensagem.
"Para que a mensagem seja entregue, o canal quântico continua necessário, mas apenas como 'degrau virtual' no processo de transferência da informação, sendo ocupado apenas virtualmente", explica Miled.
Estado de número
Outra estratégia para evitar a transformação do sistema quântico em mistura estatística foi aplicada recentemente ao "estado de número". Os pesquisadores do grupo de Miled propuseram dois esquemas distintos para manter a pureza dos estados de número também em dois contextos físicos diferentes: Armadilhas Iônicas e Eletrodinâmica Quântica de Cavidade.
"A forma de se manter a pureza do sistema em cavidades é diferente da maneira como se faz em íons aprisionados. Estamos tentando ainda uma terceira maneira, via 'localização de Anderson', trabalho iniciado em 1990 por J. R. Kuklinski", conta Miled.
Qual será o esquema definitivo e eficaz contra a mistura estatística é algo ainda difícil de prever.
Ou, quem sabe, o problema possa ser contornado de outras formas.
Recentemente o recorde de memória quântica foi detonado, mantendo o frágil estado de superposição estável por 39 minutos - uma verdadeira eternidade no campo da física quântica.