Redação do Site Inovação Tecnológica - 19/04/2023
Acidente feliz
Pesquisadores do Instituto Max Planck de Física do Plasma, na Alemanha, estavam trabalhando em seu reator experimental de fusão nuclear, chamado ASDEX Upgrade, quando inadvertidamente fizeram o plasma superquente chegar perto demais da parede central do tokamak.
Contudo, em vez de um esperado acidente, com potencial para derreter a parte central do tokamak, o que eles viram foi... nada.
Mas foi um nada cheio de significado, mostrando que o reator consegue suportar o plasma a uma distância cinco vezes menor do que a projetada para este e para todos os demais tokamaks. Enquanto a teoria diz que o plasma não poderia ficar a menos de 25 centímetros da parede interna do reator, o movimento acidental levou-o a apenas 5 centímetros.
"Nós acidentalmente movemos a borda do plasma para muito mais perto do desviador do que pretendíamos," disse Tilmann Lunt, membro da equipe. "E nós ficamos muito surpresos que o ASDEX Upgrade tenha lidado com isso sem nenhum problema."
Como o efeito foi confirmado em experimentos posteriores, não acidentais, os pesquisadores agora sabem que, quando ocorre um fenômeno de irradiação de energia conhecido como "ponto X", significativamente mais energia térmica é convertida em radiação UV do que se supunha anteriormente. O plasma então irradia até 90% da energia em todas as direções.
Isso significa que os reatores de fusão poderão ser muito menores do que se acreditava - ou serem do mesmo tamanho e gerarem muito mais energia.
Radiador de Ponto X
Em um reator de fusão do tipo tokamak, o plasma, a mais de 100 milhões de graus Celsius, fica confinado em um campo magnético em forma de rosquinha. Isto evita que o plasma quente entre em contato com a parede central, chamada desviador, e a danifique - o desviador é feito de tungstênio, o elemento com a temperatura de fusão (3.422 °C) mais alta que se conhece.
Se nada fosse feito, 20% da potência de fusão do plasma atingiria as superfícies do desviador. Com cerca de 200 megawatts por metro quadrado, seriam aproximadamente as mesmas condições que na superfície do Sol.
Mas algo é feito: Pequenas quantidades de impurezas (geralmente nitrogênio) são adicionadas ao plasma, extraindo a maior parte de sua energia térmica ao convertê-la em luz ultravioleta. Mesmo assim, a borda do plasma (a separatrix) deve ser mantida distante do desviador para protegê-lo. No ASDEX, isso significava pelo menos 25 centímetros, medidos da ponta inferior do plasma - conhecida como "ponto X" - até as bordas do desviador.
Só que, graças ao movimento acidental dos controles, a equipe agora sabe que essa distância pode ser de meros 5 centímetros.
"Nós usamos especificamente o radiador de ponto X para isso, um fenômeno que descobrimos há cerca de uma década durante experimentos no ASDEX Upgrade," contou Matthias Bernert, membro da equipe. "O radiador de ponto X ocorre em gaiolas magnéticas de formato específico quando a quantidade de nitrogênio adicionado excede um determinado valor."
E isso leva à formação de um volume pequeno e denso que irradia de forma particularmente forte na faixa UV. "Tais impurezas nos dão propriedades de plasma um pouco piores, mas se definirmos o radiador do ponto X em uma posição fixa variando a injeção de nitrogênio, podemos executar os experimentos com potência mais alta sem danificar o dispositivo desviador," explicou o Dr. Bernert.
Descoberta significativa para fusão nuclear
A descoberta levou a duas conclusões muito bem-vindas para a construção de futuros reatores de fusão nuclear.
Primeiro, os desviadores podem ser construídos menores e tecnologicamente muito mais simples do que até agora, algo que os pesquisadores chamam de desviador radiativo compacto.
Segundo, como o plasma se aproxima do desviador, o volume do recipiente a vácuo pode ser melhor utilizado. Os cálculos iniciais mostram que, se o vaso tivesse um formato ideal, seria possível quase dobrar o volume de plasma, mantendo as mesmas dimensões. Isso também aumentaria o poder de fusão atingível. Mas os pesquisadores primeiro precisam verificar isso em experimentos mais detalhados.
Além disso, o uso do radiador de ponto X também ajuda contra eventos conhecidos como modos localizados de borda, violentas erupções de energia na borda do plasma que se repetem em intervalos regulares e expelem cerca de um décimo da energia do plasma em direção à parede - o reator experimental ITER e os futuros reatores de fusão seriam danificados por essas erupções.
"Estamos lidando com uma descoberta significativa na pesquisa de fusão," resume Ulrich Stroth, membro da equipe. "O radiador ponto X abre possibilidades completamente novas para nós no desenvolvimento de uma usina de energia. Vamos investigar mais a teoria por trás dele e tentar entendê-lo melhor por meio de novos experimentos no ASDEX Upgrade."