Com informações da Universidade de Varsóvia - 30/12/2022
Observadores superluminais
Como nosso mundo seria visto por um observador que passasse por nós movendo-se mais rápido do que a velocidade da luz no vácuo? Esse viajante superluminal veria um quadro radicalmente diferente daquele que encaramos todos os dias.
Por exemplo, ele veria não apenas fenômenos que acontecem espontaneamente, sem uma causa determinística, mas também partículas viajando simultaneamente por vários caminhos - coisas muito típicas do mundo microscópico, regido pela mecânica quântica.
Além disso, o próprio conceito de tempo seria completamente transformado - um mundo superluminal teria de ser caracterizado com três dimensões de tempo e uma dimensão espacial, mas poderia ser descrito na familiar linguagem da teoria clássica de campos - uma teoria de campo clássica prevê como um ou mais campos físicos interagem com a matéria sem considerar os efeitos da quantização; teorias que incorporam a mecânica quântica são chamadas de teorias quânticas de campo.
Esta é a descoberta de uma equipe de físicos das universidades de Varsóvia (Polônia) e Oxford (Reino Unido), que começam deixando bem claro uma questão fundamental: A presença de tais observadores superluminais não leva a nada logicamente inconsistente e, além disso, é bem possível que objetos superluminais realmente existam.
Relatividade de Galileu
No início do século 20, Albert Einstein redefiniu completamente a maneira como percebemos o tempo e o espaço. O espaço tridimensional ganhou uma quarta dimensão, o tempo, e os conceitos de tempo e espaço, até então separados, passaram a ser tratados como um todo, chamado espaço-tempo. "Na teoria especial da relatividade, formulada em 1905 por Albert Einstein, o tempo e o espaço diferem apenas no sinal em algumas das equações," explica o prof. Andrzej Dragan, da Universidade de Varsóvia.
Einstein baseou sua teoria especial da relatividade em duas suposições - o princípio da relatividade de Galileu e a constância da velocidade da luz, o famoso "c" das equações. O primeiro princípio é crucial, assumindo que em todo sistema inercial as leis da física são as mesmas e todos os observadores inerciais são iguais - ele também é conhecido como princípio da equivalência ou invariância de Galileu.
Normalmente, esse princípio se aplica a observadores que se movem em relação um ao outro a velocidades menores que a velocidade da luz (c). No entanto, não há razão fundamental para que observadores que se movam em relação aos sistemas físicos descritos com velocidades superiores à velocidade da luz não devam estar sujeitos a ela, argumenta Dragan.
O que acontece quando assumimos - pelo menos teoricamente - que o mundo pode ser observável a partir de quadros de referência superluminais? Há uma chance de que isso permita a incorporação dos princípios básicos da mecânica quântica na teoria especial da relatividade.
Certo, esta é uma hipótese revolucionária, que está ganhando vida nas mentes dos professores Dragan e seu colega Artur Ekert, da Universidade de Oxford - a unificação da relatividade com a mecânica quântica é um objetivo perseguido pelos físicos há quase um século.
Relatividade especial estendida
Inicialmente, os físicos consideraram o caso simplificado de ambas as famílias de observadores (subluminais e superluminais) em um espaço-tempo que consiste em duas dimensões: Uma espacial e outra temporal. Em sua última publicação, agora em um grupo de cinco físicos, eles vão um passo além, apresentando conclusões sobre todo o espaço-tempo quadridimensional tão caro à física atual.
A equipe parte do conceito de espaço-tempo correspondente à nossa realidade física: Com três dimensões espaciais e uma dimensão temporal. No entanto, do ponto de vista do observador superluminal, apenas uma dimensão deste mundo mantém um caráter espacial, aquela ao longo da qual as partículas podem se mover.
"As outras três dimensões são dimensões de tempo," explica o prof. Dragan. "Do ponto de vista de tal observador, a partícula 'envelhece' independentemente em cada um dos três tempos. Mas, da nossa perspectiva, como pobres mortais, parece um movimento simultâneo em todas as direções do espaço, ou seja, a propagação de uma onda esférica quântica associada a uma partícula," comenta o prof. Krzysztof Turzynski, coautor do artigo.
Isto está de acordo com o princípio de Huygens, formulado já no século XVIII, segundo o qual cada ponto atingido por uma onda torna-se a fonte de uma nova onda esférica. Inicialmente, esse princípio se aplicava apenas à onda de luz, mas a mecânica quântica estendeu esse princípio a todas as outras formas de matéria.
Como os autores demonstram em seu artigo, a inclusão de observadores superluminais na descrição da realidade requer a criação de uma nova definição de velocidade e de cinemática. "Esta nova definição preserva o postulado de Einstein de constância da velocidade da luz no vácuo, mesmo para observadores superluminais," escreveram os autores do artigo. "Portanto, nossa relatividade especial estendida não parece ser uma ideia particularmente extravagante," acrescenta Dragan.
Universo quântico
Para resumir, como os observadores superluminais descreveriam nosso mundo?
Depois de levar em conta as soluções superluminais, o mundo se torna não-determinístico, as partículas começam a se mover ao longo de muitas trajetórias ao mesmo tempo, em vez de por uma trajetória de cada vez, em conformidade com o princípio quântico da superposição.
"Para um observador superluminal, a partícula pontual newtoniana clássica deixa de fazer sentido, e o campo se torna a única quantidade que pode ser usada para descrever o mundo físico," observa Dragan. "Até recentemente, era uma crença geral que os postulados subjacentes à teoria quântica são fundamentais e não podem ser derivados de nada mais básico. Neste trabalho, mostramos que a justificação da teoria quântica usando a relatividade estendida pode ser naturalmente generalizada para um espaço-tempo 1 + 3, e tal extensão leva a conclusões postuladas pela teoria quântica de campos," escrevem os autores.
Todas as partículas, portanto, parecem ter propriedades extraordinárias - propriedades quânticas - na relatividade especial estendida.
E será que funciona ao contrário? Podemos detectar partículas que são normais para observadores superluminais, ou seja, partículas que se movem em relação a nós em velocidades superluminais?
"Não é tão simples," diz o prof. Turzynski. "A mera descoberta experimental de uma nova partícula fundamental é um feito digno do Prêmio Nobel, e só viável em uma grande equipe de pesquisa usando as técnicas experimentais mais recentes. No entanto, esperamos aplicar nossos resultados para uma melhor compreensão do fenômeno da quebra espontânea de simetria associado com a massa da partícula de Higgs e outras partículas no Modelo Padrão, especialmente no início do universo."
O professor Dragan acrescenta que o ingrediente crucial de qualquer mecanismo espontâneo de quebra de simetria é um campo taquiônico. Um táquion é um campo quântico com uma massa imaginária, uma construção teórica que viola uma série de princípios básicos da física.
Contudo, parece que os fenômenos superluminais podem desempenhar um papel fundamental no mecanismo de Higgs, que teria uma massa imaginária (imaginário aqui refere-se a uma parte dos números complexos). Mas, embora alguns defendam que superar a velocidade da luz é possível, talvez isso já seja assunto para uma Nova Física.
Texto alterado em 02/01/23 às 08:41, para melhor redação do último parágrafo.