Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/03/2024
Bioeletrônica
A conexão entre o biológico e o eletrônico é uma das mais dinâmicas das pesquisas científicas, reunindo especialistas das mais diversas áreas em busca de inovações que vão dos biocomputadores e neurônios eletrônicos à integração de dispositivos eletrônicos ao corpo humano.
Contudo, embora dispositivos médicos, como desfibriladores, marcapassos e até mesmo exames de eletrocardiograma, que lidam com sinais elétricos do coração, sejam avanços importantes na bioeletrônica, ainda há muito trabalho para se chegar a dispositivos práticos que acessem informações moleculares, que possam ser usadas em métricas de saúde e para o tratamento de doenças.
Sally Wang e colegas da Universidade de Maryland, nos EUA, conseguiram agora pela primeira vez conectar células bacterianas vivas a um sistema de circuito fechado capaz de se comunicar através da fronteira tecnológico-biológica - o circuito fechado significa que o aparelho monitora as bactérias, gera os impulsos necessários para alterar seu comportamento, mede o novo comportamento, ajusta tudo novamente, e assim por diante.
Na demonstração, reações químicas e engenharia genética foram usadas para controlar os processos biológicos das células bacterianas em tempo real usando sinais eletrônicos. A bactéria E. coli foi escolhida como cobaia porque é um microrganismo de fácil propagação, frequentemente usado em experimentos científicos, mas os princípios devem funcionar em qualquer tipo de célula.
Segundo a equipe, o objetivo final é desenvolver dispositivos de cuidados de saúde "inteligentes" que possam sair dos laboratórios e ir para as clínicas, tais como sistemas de distribuição de medicamentos para diabéticos ou rastreadores em tempo real da progressão da doença em pacientes com câncer.
Integração biológico-eletrônico
Na eletrônica convencional, um fluxo de elétrons através da fiação e dos circuitos transporta informações, enquanto ondas eletromagnéticas fazem o trabalho nas comunicações sem fio.
"Na biologia não há elétrons livres se movendo pelo corpo," explicou Sally Wang. "Então, o que os sistemas biológicos fazem para mover esses elétrons? Eles transferem elétrons usando reações redox."
As células produzem moléculas redox (ou redução-oxidação), que podem transportar elétrons de um lugar para outro usando reações químicas, causando ganho e perda de elétrons nas células. Essa transferência de elétrons resulta em alterações nos níveis de oxidação nas células e é fundamental para processos biológicos importantes, como a fotossíntese e a respiração.
A equipe já havia demonstrado que as reações redox podem conectar sistemas biológicos e eletrônicos, criando redes redox biológicas para transferência de informações bioeletrônicas em vários níveis, incluindo proteínas, células individuais e grupos de células. Essa conexão multifacetada e interligada entre sistemas é o que a equipe chamou de "internet da vida".
Agora, eles construíram um sistema em circuito fechado no qual a atividade biológica de uma célula não só pode ser monitorada em tempo real usando sinais eletrônicos, como também seus sistemas genéticos podem ser controlados eletronicamente - esta última função é chamada de "eletrogenética", uma abordagem introduzida pela equipe que tem sido adotada por vários grupos em todo o mundo.
Controle eletrônico de células vivas
Usando a ferramenta de edição genética CRISPR, a equipe projetou células bacterianas E. coli para incluir proteínas e anticorpos de outros organismos, como águas-vivas e bactérias Pseudomonas, para permitir que as E. coli respondessem de uma maneira específica à eletricidade:
Quando as bactérias recebem elétrons, elas projetam fluorescência - sinais ópticos - que podem ser gravados e interpretados por uma máquina em tempo real. A máquina pode então avaliar se precisa fornecer mais corrente para sustentar a transferência de elétrons entre sistemas, demonstrando um ciclo.
As células bacterianas geneticamente modificadas podem aceitar elétrons de eletrodos e também de outras células por meio de reações redox, tornando-as, na verdade, "bilíngues". "Isso abre portas para a construção de maneiras completamente novas de conectar tecnologias ricas em informações e dados à biologia. Existem inúmeras oportunidades que podem surgir da eletrogenética," disse o professor William Bentley.
Além das inovações no campo da saúde, monitorando uma doença e administrando os medicamentos com precisão, a tecnologia também tem aplicações potenciais na agricultura e na conservação ambiental. Por exemplo, um monitor inteligente de terras agrícolas poderia fornecer telemetricamente informações sobre como otimizar o conteúdo de microrganismos ou adubos no solo, minimizando ainda a quantidade de pesticidas e herbicidas utilizados.