Com informações da Agência Fapesp - 23/02/2016
Além da camada de ozônio
A camada de ozônio da estratosfera, que se estende de 10 a 50 quilômetros (km) de altitude, bloqueia os raios ultravioleta nocivos à saúde.
Mas a camada de ozônio é apenas uma das barreiras que a Terra dispõe contra as diversas radiações solares - e nem é a mais importante.
"A camada de ozônio é a última barreira aos raios ultravioleta. E nem é a principal. A maioria dos raios ultravioleta e ultravioleta extremo, além do fluxo de raios X emitidos pelo Sol, são absorvidos na ionosfera.
A ionosfera é o nosso principal escudo contra as radiações ionizantes provenientes do Sol," destaca o físico Paulo Roberto Fagundes, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos.
A ionosfera se estende entre 70 e 1.500 km de altitude. E a equipe do professor Fagundes está descobrindo que essa camada parece muito "viva".
Mesosfera, termosfera e ionosfera
Apesar de a ionosfera ser o principal manto protetor da Terra, suas propriedades e a sua possível relação com o clima e com o meio ambiente só recentemente começou a ser estudada.
"No fundo, estamos tentando entender melhor a atmosfera, que é o meio ambiente do planeta," disse Fagundes, que está coordenando um projeto multi-institucional para coletar novas informações sobre a mesosfera, termosfera e ionosfera.
O objetivo do projeto é estudar a variação diária da dinâmica da alta atmosfera (mesosfera e termosfera) e da eletrodinâmica da ionosfera em baixas latitudes e na região equatorial, utilizando uma rede de observatórios no setor brasileiro, dados complementares de outros setores e dados de satélite.
Além da Univap, o projeto contra com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), o Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia (Itália) e Universidade Nacional de La Plata (Argentina).
Proteção contra a radiação solar
A alta atmosfera é formada por um gás muito rarefeito, constituído principalmente de oxigênio (O), oxigênio molecular (O2) e nitrogênio molecular (N2). As moléculas O, O2 e N2 são banhadas pelo fluxo de radiações solares, composto dos raios ultravioleta, ultravioleta extremo e raios X, todos de alta energia.
Ao entrar em contato com essas radiações, as moléculas e átomos absorvem sua energia, em um processo conhecido como fotoionização, durante o qual as moléculas ou átomos perdem um ou mais elétrons, gerando íons (de carga positiva) e elétrons (de carga negativa). Daí vem o nome ionosfera: a região da atmosfera onde existem elétrons e íons livres.
É justamente essa capacidade de as moléculas e átomos ionizarem ao absorver as radiações mais energéticas que impede que as radiações solares e cósmicas atinjam a superfície terrestre.
A totalidade dos raios X é barrada na ionosfera, assim como a maioria dos raios ultravioleta e ultravioleta extremo. Os que conseguem escapar da ionosfera podem ou não ser barrados pela camada de ozônio, dependendo da sua concentração e espessura no local e no momento da incidência - daí o risco promovido pelo aumento no buraco da camada de ozônio sobre a Antártica. Onde há o buraco, os raios UV atingem a superfície em quantidades maiores.
Ciclo solar
O fluxo de radiação solar que atinge a Terra não é constante. Ele muda de intensidade em função do ciclo solar, ou seja, do nível da atividade do Sol, que varia em intervalos de 11 anos. Em períodos de atividade solar mínima, a intensidade das radiações solares (ultravioleta, ultravioleta extremo e raios X) na ionosfera diminui, fazendo com que uma quantidade menor de átomos e moléculas ionizem.
De outra forma, quando a atividade solar está em seu máximo, o fluxo de radiação eleva e aumenta a quantidade de material ionizado. "O último mínimo solar ocorreu entre 2006 e 2012 e teve um comportamento atípico. Foi prolongado e atingiu valores muito pequenos. Agora, estamos no máximo solar," disse Fagundes.
O fluxo de radiação solar também sofre oscilações bruscas, causadas pela ocorrência de tempestades solares. São erupções repentinas na superfície do Sol, que aumentam dramaticamente o fluxo de radiação emitida e, consequentemente, de material ionizado na ionosfera.
"A maioria dos satélites orbita o planeta entre 100 e 1.000 km de altitude e seu funcionamento é muito sensível em relação à atividade solar," disse Fagundes.
Fluxos na atmosfera
O grupo já conseguiu demonstrar que a densidade de elétrons na ionosfera pode ser perturbada durante dias por fenômenos meteorológicos.
"Os meteorologistas sabem há muitos anos que, no hemisfério Norte e em menor grau no hemisfério Sul, existe um aumento súbito nas temperaturas na estratosfera sobre os polos durante o inverno", disse Fagundes.
Esse aquecimento se deve a uma mudança de direção de um vento específico na região do polo Norte. A consequência é o aumento da temperatura na estratosfera, até os 30 km de altitude.
"Começamos a perceber que ocorrem também alterações na densidade de elétrons na ionosfera, em altitudes de até 300 km. Essas alterações se propagam ao longo das latitudes, se deslocando do polo Norte, passando pelas latitudes médias do hemisfério Norte, pela linha do Equador, pelo Brasil e chegando até o sul da Argentina," disse Fagundes.
Uma das hipóteses sendo analisadas para explicar esse fenômeno é que essa propagação não termine na Argentina, mas prossiga até a ionosfera sobre o polo Sul. Isso poderia mostrar a existência de um acoplamento polo a polo na atmosfera, de forma um tanto similar às correntes oceânicas.
"Ainda não sabemos se é esse o caso, mas, sob o ponto de vista das mudanças climáticas globais, é importante entender o funcionamento da atmosfera como um todo e da ionosfera em particular," disse Fagundes.