Com informações da Unicamp - 02/12/2016
Captura de fótons
Uma peça fundamental para o futuro da física está sendo criada na Universidade Estadual de Campinas.
Trata-se de uma tecnologia para captar sinais luminosos que serão produzidos na nova geração de detectores de neutrinos, observatórios atualmente em construção nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.
A equipe chama seus dispositivos, feitos para aprisionar as partículas de luz, de arapucas, uma referência a pequenas armadilhas usadas para capturar pássaros - o objetivo agora é capturar fótons.
As arapucas fotônicas deverão ser testadas na Europa em 2017 e entrar em ação nos EUA em 2018.
A teoria não explica
O neutrino é uma partícula subatômica sem carga elétrica e de massa muito pequena. Sua existência foi proposta em 1930, para explicar o aparente "desaparecimento" de parte da energia envolvida no processo radioativo conhecido como decaimento beta. Em vez de aceitar uma violação do princípio de que a energia não pode ser destruída, Wolfgang Pauli sugeriu que a energia perdida estaria sendo transportada por uma partícula neutra até então não observada.
Contudo, ao tapar um buraco, os físicos abriram outro. O problema é que mais tarde se descobriu que os neutrinos podem se transformar de um tipo em outro, algo que só pode ocorrer se eles tiverem massa. E essa oscilação - a transformação de um tipo de neutrino em outro - não cabe dentro do Modelo Padrão da Física de Partículas, a grande teoria que explica a composição da matéria, o eletromagnetismo e as forças nucleares - pelo Modelo Padrão, a massa do neutrino deveria ser zero.
"Então, isso significa que o modelo é incompleto, e que tem que ter alguma física além dele. É esta física nova que a gente está pesquisando, e dela o neutrino é o que a gente conhece melhor," explicou o pesquisador Ettore Segreto, um dos coordenadores do projeto arapuca.
Detectores de neutrinos
A descoberta da oscilação do neutrino foi feita em um detector instalado no Japão, chamado Super Kamiokande, formado por um tanque cilíndrico contendo 50 mil toneladas de água extremamente pura. Como o neutrino praticamente não interage com a matéria em geral, o gigantismo do detector é necessário para oferecer o maior número possível de oportunidades de colisão entre os átomos da água e as partículas. Quando o neutrino se choca com a água a interação emite luz, um fenômeno conhecido como Efeito Cherenkov. Inúmeros sensores ao redor do tanque capturam essa luz, que dá informações sobre o neutrino original.
As arapucas serão usadas em uma nova geração de detectores de neutrinos, que não usarão mais água, e sim um gás nobre, o argônio, em estado líquido.
"A técnica do argônio líquido nasceu depois, e tem uma qualidade muito superior. Quando se compara uma imagem Cherenkov com uma imagem do argônio líquido, a imagem Cherenkov é apenas um anel luminoso. Já no argônio líquido é possível ver a trajetória das partículas deslocadas pelo neutrino. No argônio líquido dá para detectar todas as partículas que foram produzidas pela chegada do neutrino," explicou o pesquisador.
Além de buscar uma explicação para a oscilação do neutrino, os detectores de argônio líquido também devem oferecer janelas para outros mistérios na fronteira da física, como a natureza da matéria escura que mantém as galáxias coesas, que também se encontra além do Modelo Padrão, o possível - mas extremamente raro - decaimento do próton e a assimetria observada entre matéria e antimatéria no Universo.
Arapuca de luz
A arapuca de luz é uma caixa retangular, branca, feita de teflon, com um par de pequenos sensores - cada um deles medindo 6x6 milímetros e instalado em cada face menor da caixa.
Uma das faces maiores é revestida por um filtro e por uma película química que, ao receberem o impacto de um fóton de ultravioleta produzido pelo choque de um neutrino (ou de um eventual "Wimp", que se imagina ser um "átomo" de matéria escura) com o argônio do tanque convertem-no em uma partícula de luz de energia menor, arremessando-a para o interior da caixa, de onde ela não tem como escapar.
Lá o fóton aprisionado ricocheteia até entrar em contato com um dos dois sensores, quando então o evento é registrado.
Experimento Profundo
O principal destino das arapucas será o Dune (Deep Underground Neutrino Experiment, ou "Experimento de Neutrino do Subsolo Profundo"). Um feixe de neutrinos gerado no Fermilab será projetado sob a terra, através de 1,3 mil quilômetros, até tanques de argônio líquido localizados no Laboratório Sanford.
Antes disso, no entanto, protótipos da arapuca de luz serão testados no Proto-Dune, uma prévia do Dune, em menor escala, que está sendo construído no CERN, mesma instituição europeia que abriga LHC (Grande Colisor de Hádrons).
A Unicamp planeja construir seu próprio laboratório de pesquisas com argônio líquido, que deverá ficar pronto no primeiro semestre de 2017. A instalação será usada nos testes e no aperfeiçoamento da arapuca.