Redação do Site Inovação Tecnológica - 19/12/2022
Potencialização de longa duração
Cientistas estavam estudando materiais biológicos muito finos devido não apenas à sua importância em quase todos os processos envolvendo a vida, mas também porque imitá-los pode trazer soluções para vários campos de pesquisa, como as baterias.
Esses materiais são essencialmente filtros - como um filtro de café - só que, por serem muito mais finos, podem controlar a passagem de moléculas e íons individuais. Os cientistas preferem chamá-los de membranas; e, como estes têm origem biológica, são chamados biomembranas.
O que Haden Scott e seus colegas do Laboratório Nacional Oak Ridge, nos EUA, não esperavam é que uma simples membrana sintética, inspirada na membrana natural de uma célula viva, pudesse se tornar uma ferramenta promissora para uma nova geração de computadores.
A equipe descobriu que sua membrana, ao ser estimulada eletricamente, é capaz de realizar potencialização de longa duração, uma marca registrada do aprendizado biológico e da memória - a potenciação de longa duração é um aumento persistente na transmissão de sinais entre dois neurônios em decorrência de uma estimulação de alta frequência.
Esta é a primeira evidência de que uma membrana celular sozinha - sem proteínas ou outras biomoléculas embutidas nela - é capaz de potencialização de longa duração que persiste por muitas horas. E a membrana sintética é também a primeira estrutura em nanoescala que se conhece na qual se pode codificar uma memória, tornando-a parte de uma família emergente de materiais não vivos que têm memória, aprendem e reagem ao ambiente.
Rumo à computação neuromórfica
A codificação de memória em sistemas de nanoescala tem o potencial para alavancar o desenvolvimento de materiais e arquiteturas de computação de próxima geração, que buscam imitar a eficiência e a flexibilidade da cognição humana - a chamada computação neuromórfica.
Embora as implicações para a inteligência artificial possam ser óbvias, a computação semelhante ao cérebro também alterará drasticamente a eficiência energética e as capacidades de computação de uma futura geração de equipamentos.
"Memória e lógica no cérebro estão interligadas," disse Patrick Collier, membro da equipe. "Mas, nos computadores modernos, essas funções acontecem em locais diferentes, um gargalo que o cérebro não possui." A ideia é que os computadores neuromórficos eliminem essa separação, ganhando em velocidade e economizando energia.
E a equipe já tem planos para dar o próximo passo para usar essas membranas com memória em experimentos de computação neuromórfica.
"Agora que começamos a definir os protocolos elétricos para induzir potencialização de longa duração em membranas de bicamada lipídica, estamos nos preparando para construir arquiteturas de barras transversais de dois terminais, nas quais várias membranas em nanoescala interagem, permitindo executar lógica ativa, e não apenas o armazenamento passivo," disse Collier. "No momento, estamos usando sistemas únicos; daqui para frente, precisamos aprender como conectá-los."
A arquitetura de barras transversais a que o pesquisador se refere é o modelo básico do memoristor, o componente eletrônico mais usado atualmente na pesquisa da computação neuromórfica, mas que não é biológico.
Como a memória é armazenada no cérebro
Os testes realizados pela equipe mostraram resultados que são praticamente indistinguíveis dos sinais obtidos estudando o hipocampo do cérebro humano.
Além disso, a ciência ainda não conhece nenhuma estrutura em nanoescala no cérebro onde a memória é armazenada. Sabe-se que grandes seções do cérebro, como o hipocampo, armazenam a memória, mas ainda não se sabe muito sobre onde a memória é armazenada e os mecanismos moleculares responsáveis por ela. E as membranas celulares não têm sido alvos desses estudos, ainda que os lipídios, um dos principais componentes das membranas, constituam a maior parte da massa do cérebro.
Se as membranas das células neurais forem realmente um elemento crítico na memória humana, isso poderá levar a novos tratamentos para inúmeros distúrbios neurológicos. Mas isso exigirá mais estudos, já que a equipe trabalhou com membranas sintéticas, feitas reunindo duas gotículas micrométricas de água revestidas com lipídios dentro de uma suspensão de óleo.
Na interface entre as duas gotículas forma-se uma bicamada lipídica que imita as membranas celulares das sinapses neuronais no cérebro humano.