Fábio Reynol - 06/01/2010
O bagaço da cana-de-açúcar, um subproduto do processo de produção do açúcar e do etanol, é reaproveitado principalmente para gerar energia elétrica, por meio de sua queima nas próprias usinas.
Mas pesquisadores brasileiros estão desenvolvendo novos usos para o resíduo, abrindo caminho para sua utilização com uma finalidade ainda mais nobre - na produção de biocombustíveis de segunda geração.
Matéria-prima nobre
O potencial para o uso do bagaço de cana para produzir o chamado etanol de segunda geração é enorme, especialmente por causa da grande disponibilidade desta matéria-prima. O volume desse subproduto representa cerca de um terço da produção de cana-de-açúcar no Brasil, que vem batendo recordes a cada ano.
A safra de 2009, anunciada este mês pelo Ministério da Agricultura, ultrapassa 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, o que representa em torno de 200 milhões de toneladas de bagaço.
Melhorias genéticas obtidas em laboratório também contribuem para aumentar a biomassa do vegetal. Isso refletirá em plantas de maior porte e, consequentemente, com mais bagaço no fim do processo convencional de produção de açúcar e de etanol.
Hidrólise da celulose
Foi pensando em dar um tratamento preliminar a esse rejeito que pesquisadores da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenados pelo professor Luis Augusto Barbosa Cortez, desenvolveram um equipamento capaz de separar esse material heterogêneo em partes semelhantes.
Após a última moenda da cana, o bagaço torna-se praticamente um pó formado de partículas e fibras de vários tamanhos. A porção mais dura dessa mistura é rica em lignina e oriunda da parte externa do caule, sendo praticamente seca. Já o material mais mole é úmido e deriva do interior da planta. Essa é a melhor parte para entrar no processo de produção de etanol, por ser rica em celulose.
"A lignina é mais difícil de degradar, por isso a parte de dentro, com menor teor de lignina, é a ideal para ser submetida à hidrólise", explicou Cortez, referindo-se ao processo que quebra o açúcar da celulose e o transforma em álcool.
"A lignina é um agregador que oferece resistência à quebra das moléculas. Quanto menos lignina contiver o material, mais fácil é o processo de obtenção do álcool celulósico", explicou.
Por isso, a classificação do bagaço obtida por meio da tecnologia desenvolvida pelo grupo da Feagri tende a ganhar cada vez mais importância à medida que avançam as pesquisas sobre a nova geração do etanol.
Classificador pneumático
O desafio dos pesquisadores foi criar uma tecnologia para classificar de maneira contínua e automática essas diferentes partes do bagaço da cana.
Para isso, o grupo contou com a participação do professor Guillermo Roca, da Universidade de Oriente, em Cuba, que veio ao Brasil para participar do projeto.
Foram os trabalhos de Roca que estabeleceram os princípios gerais para construção do invento, um tipo de classificador pneumático. Nele, o bagaço é inserido por um orifício diagonal, localizado em sua parte superior, e empurrado por uma válvula rotativa sobre um fluxo constante de ar.
"As partículas grossas são então depositadas no fundo, as de tamanho médio ficam em um coletor na parte intermediária do dispositivo e as menores e mais leves são levadas pelo ar por um tubo curvo até um depósito mais alto", explicou Cortez.
"Não é preciso preparar o bagaço antes de colocá-lo na máquina", ressaltou. Isso faz seu custo operacional ser interessante à indústria. Mesmo antes de se começar a produção do etanol de celulose, a separação do bagaço pode melhorar a qualidade dos vários destinos que esse subproduto tem recebido. A parte seca do bagaço, por exemplo, proporciona uma queima mais uniforme e eficiente para produzir energia termelétrica.
Outras aplicações do homogeneizador
Enquanto a tecnologia não estiver pronta para a indústria, o bagaço continuará sendo empregado na produção de ração animal, fertilizante e, principalmente, de material de queima para alimentar caldeiras geradoras de energia elétrica dentro das usinas. Para isso, ele não recebe nenhum tratamento. "Ele não é sequer secado antes de ser queimado, o que diminui a eficiência da queima", disse Cortez.
Quando se iniciar a segunda geração do etanol, a parte mais valorizada do bagaço será retirada do depósito inferior do classificador desenvolvido na Unicamp. Por meio de análises, o grupo averiguou que a fração mais grossa tem maior teor de celulose e quantidades menores de lignina, sendo a mais apropriada para a produção do álcool.
Além da indústria sucroalcooleira, o homogeneizador poderá ser útil em qualquer ramo de atividade que necessite separar materiais sólidos granulados heterogêneos. Por exemplo, grãos moídos na indústria alimentícia, hidrato de cal, na área de mineração, e o pó resultante da moagem de pedras, na construção civil.
A eficiência e a versatilidade do equipamento motivaram o depósito do pedido de patente por meio da agência de inovação Inova Unicamp.